São Paulo, sexta-feira, 18 de abril de 1997
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Obra tardia confirma poder de síntese do artista

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REDAÇÃO

A história é inacreditável, qualquer que seja sua explicação: a última gravação intensiva de Dorival Caymmi -um disco duplo com 23 faixas- permaneceu inédita ao grande público por 11 anos, desde que foi concebida como brinde de Festas aos clientes da Odebrecht.
O lapso é injustificável. Permaneceu no baú por mais de uma década um disco do maior pilar ainda vivo da tradicional MPB pré- bossa nova, pedaço gigante da história da MPB. Parece brincadeira.
Bem, agora o erro é reparado. Em parte, pois o projeto gráfico foi modificado, o material -que caberia perfeitamente num CD- foi expandido para dois CDs e o novo título -"Caymmi Inédito"- é mais ou menos dissonante.
É que, embora as versões de agora sejam desconhecidas do público, muito pouco há de realmente inédito no álbum, que consiste num apanhado substancial da obra já conhecida do artista.
Caymmi reinterpreta, minimalista e destituído de maneirismos como sempre foi, clássicos do relicário da MPB desde os anos 30: "O Que É Que a Baiana Tem?", "A Preta do Acarajé", "Peguei um Ita no Norte", "Festa de Rua"...
Assim é o primeiro CD, exclusivamente voz e violão, mais depoimentos sobre ele de Jorge Amado, Tom Jobim, Carybé e Caetano.
No segundo é que se chega a um tanto de ineditismo: o maestro Radamés Gnattali (1906-1988) é o responsável pelos arranjos, em canções como "Você Já Foi à Bahia?", "O Samba da Minha Terra", "Pescaria", "Vatapá" e as (semi) inéditas "Sargaço Mar" e "A Mãe d'Água e a Menina".
Sua participação dá nova roupagem -às vezes mais pomposa, outras mais elaborada- ao requinte de simplicidade de Dorival, que responde fazendo mais manso seu cantar já muito manso.
E Caymmi torna cada faixa uma peça de concisão poética e musical -essa é, no mais, a contribuição de Dorival à história da MPB.
E ele se mostra, uma vez mais, detentor maior da sabedoria da síntese na MPB. Por isso, embora o segundo CD traga sumo à já muito conhecida obra de Caymmi, está mesmo no primeiro CD a peça que melhor representa o projeto.
É ela "Eu Fiz uma Viagem", quase uma canção de retirante, que casa as penas da migração com todo o bom humor que a melancolia de Caymmi trouxe à canção.
Diz a letra, inspirada na tradição popular: "Eu fiz uma viagem/ A qual foi pequenininha/ Eu saí dos olhos d'água/ Fui até Alagoinha/ Agora, colega, veja/ Como carregado eu vinha/ Trazia minha nega/ E também minha filhinha/ Trazia meu tatu-bola/ Filho do tatu-bolinha (...) Mas a sorte desandou/ Quando eu cheguei em Alagoinha/ Bexiga deu na nega/ Catapora na filhinha/ Morreu o meu tatu-bola/ Filho do tatu-bolinha."
Não há muito o que refletir, sua eloquência fala por si. Assim é qualquer obra de Dorival Caymmi.

Disco: Caymmi Inédito
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 36, em média (CD duplo)

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