São Paulo, sexta-feira, 18 de abril de 1997
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A d. Luciano, com respeito

LUIZ CARLOS M. DE BARROS

Há pessoas que merecem o nosso respeito pela simples menção de seu nome. Dom Luciano Mendes de Almeida é uma dessas pessoas. É, por isso, com especial interesse que acompanho, pelos jornais, sua posição contrária à privatização da Cia. Vale do Rio Doce. Na sua mais recente manifestação sobre o assunto, publicada na Folha em 5 de abril último, d. Luciano enumerou uma série de razões, que chamou de "exigências éticas", as quais, a seu ver, exigiriam maior aprofundamento no processo de privatização da Vale.
É em reconhecimento à estatura intelectual de d. Luciano que pretendo apresentar aqui, sem nenhuma intenção de polemizar, alguns pontos sobre essa privatização capazes de permitir, a ele e a todos os interessados no assunto, uma reflexão sobre as razões de governo para realizar a venda da CVRD.
D. Luciano diz que a decisão de privatizar a Vale "requer tempo maior de discernimento a fim de evitar erros que possam derivar da precipitação".
Não há precipitação na privatização da Vale. A empresa foi incluída no Programa Nacional de Desestatização (PND) há cerca de dois anos, em 30 de maio de 1995. O trabalho das consultorias independentes contratadas pelo BNDES para avaliação da empresa começou em janeiro de 96 e se desenvolveu por 14 meses, até março. Além do mais, a privatização da Vale não é um ato isolado. A Vale é, praticamente, a última estatal industrial a ser privatizada. Já foram realizadas 52 outras privatizações. A privatização da CVRD, portanto, que vem sendo cuidadosamente preparada, não é uma precipitação.
D. Luciano aborda a questão dos "direitos de labra das riquezas minerais do nosso solo". Esses direitos estão salvaguardados. Primeiro, por força de dispositivo constitucional, as riquezas do subsolo pertencem à União. Por isso, as mineradoras, nacionais ou estrangeiras, que extraem, beneficiam e comercializam minérios, operam sob regime de concessão. Pagam royalties e impostos para isso. Além disso, no caso da Vale, o governo criou dois mecanismos -as debêntures participativas e o contrato de risco- que permitem que a União participe dos resultados de futuras descobertas minerais da Vale.
Quanto à questão da "função e do tamanho do Estado brasileiro", cabe lembrar que isso já foi debatido pelo Congresso, com a participação da sociedade. O PND é uma política nacional, estabelecida em lei e aprovada pelo Congresso. Aliás, em 12 de dezembro do 1996 o plenário do Senado, em votação nominal, rejeitou projeto de lei do senador José Dutra (PT-SE) que propunha a exclusão de empresas do PND. A rejeição ocorreu após extenso debate no Senado. Eu lá estive, para isso, por duas vezes. Portanto, não corresponde a afirmação de que não há legitimidade na privatização da Vale por falta de manifestação legislativa.
D. Luciano considera "condição prévia que os dados sejam correta e transparentemente divulgados". Quanto a isso, é ponto de honra para nós, do BNDES, a ampla divulgação e a absoluta transparência com que conduzimos este processo de privatização. Transparência e divulgação são, aliás, insumos para os atributos de probidade e lisura, marcas inquestionáveis dos processos de desestatização até agora realizados.
Dentro do processo de privatização da Vale, foram produzidos boletins, cartilhas e artigos; foram realizadas centenas de entrevistas; está sendo veiculada uma campanha informativa pela TV e pelo rádio; e até na Internet foi colocado material à disposição.
Outro argumento é o "potencial estratégico que a CVRD representa para a soberania nacional". Nosso entendimento é que a soberania de um país como o Brasil não está vinculada ao destino de uma empresa cuja atividade principal é extrair e vender minério de ferro. Seria uma soberania sem qualquer horizonte ou futuro, atrelada apenas a interesses comerciais circunstanciais.
D. Luciano fala do "ressarcimento pela lavra de minérios nos municípios onde opera" (...) "que constituem o Programa Integração Vale e Comunidades". Como o próprio d. Luciano afirma, grandes empresas -estatais e privadas- têm hoje responsabilidades sociais. Participam de projetos em conjunto com as comunidades, apóiam atividades educacionais, culturais e esportivas, promovem campanhas de interesse público, de preservação do meio ambiente e outras. No caso da Vale, isso continuará a ser feito. O BNDES está constituindo um fundo para continuar apoiando as ações sociais nos municípios em que a Vale atua.
Sinto-me gratificado por ter podido oferecer estes esclarecimentos aos leitores da Folha, mas desejo fazer um agradecimento especial a d. Luciano Mendes de Almeida, pela elegância e pelo alto nível de suas considerações.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 54, economista e engenheiro, é presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

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