São Paulo, domingo, 20 de abril de 1997
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Maior buraco da Vale é desinformação

MARIO VITOR SANTOS

A privatização da Companhia Vale do Rio Doce e a reforma administrativa são duas questões cruciais em foco no momento. Haveria uma terceira, a questão da terra, mas essa parece ter marchado adiante.
Tanto no caso da Vale como no da reforma os meios de comunicação estão cometendo omissão grave, deixando de examinar os temas com a profundidade que exigem.
Permitem -a Folha inclusive- que suas posições editoriais privatizantes contaminem o noticiário, tomado de uma letargia no esclarecimento real das questões em jogo.
Num momento em que o denuncismo entra em crise, a cobertura do debate em torno da privatização da Vale do Rio Doce, uma empresa gigantesca, símbolo de uma época e de um projeto de país, poderia marcar o início de um novo jornalismo.
Esgotado o imediatismo das campanhas, a imprensa deveria aproveitar para mergulhar num trabalho mais técnico, saltar um degrau em direção a métodos de apuração mais científicos e frios, evitar a subordinação do debate dos temas à sua superfície ideológica, redutora.
Minha inclinação pessoal é favorável à privatização da Vale. Mas, diante da ausência de informações conclusivas (que a imprensa está chamada a fornecer e não fornece), se eu fosse chamado a votar, anularia.
São questões vitais, complexas, que demandam exame técnico, cálculos, estudos comparativos com outros países e empresas, independência, distanciamento, didatismo para que o cidadão possa entender.
A rigor, nada disso está à disposição. Tem que ser pesquisado. Muitas perguntas circulam há meses sem resposta confiável. E a venda é iminente, no dia 29.
Quanto vale realmente a empresa? É verdade que ela está sendo negociada a um preço muito baixo para as riquezas que possui? Tem que ser assim mesmo, caso contrário, não há compradores?
Quais os riscos de as diversas avaliações realizadas estarem viciadas? É verdade que o investimento social da Vale deixará de existir com a privatização? O fundo criado pelo governo substitui à altura esse investimento? O governo terá remuneração adequada pelo que for explorado após 30 anos de privatização?
A venda criará ou cortará vagas de trabalho? Fará bem ou prejudicará a economia como um todo? Não há mesmo problemas de o Bradesco, tendo participado da equipe de avaliação, vir agora a integrar um consórcio que disputa a propriedade da empresa? Qual a decisão que mais está de acordo com uma noção moderna e socialmente responsável do papel do Estado?
Têm sido oferecidas respostas a estas questões -não há falta de notícias, falta informação-, mas não de maneira independente, como só a imprensa pode e tem de produzir.
Como ainda não o fez, corre o risco de vir a ser cobrada por omissão mais uma vez, vendo rebaixada sua posição entre as instituições do país. Esta Folha, por exemplo, já deveria há muito ter produzido ao menos um caderno especial a respeito, com o maior número possível de perguntas e respostas sobre a polêmica.
Falando pelo jornal, a secretária de Redação Eleonora de Lucena lembra que já foram publicadas páginas e páginas de reportagens sobre a privatização da Vale: "É uma prioridade, corresponde ao projeto editorial da Folha, dar ampla voz a todos os envolvidos no debate, para que os leitores possam formar a melhor opinião a respeito", diz.
É importante, mas não é suficiente. Há pessoas sérias em ambos os lados. O que é melhor para o país? Os mortais ficam sem resposta. Numa hora dessas, quem pode nos socorrer senão a imprensa?
Super-extra confusão
O noticiário sobre a reforma administrativa é mostra de como um tema muito relevante pode ser confinado, com a decisiva contribuição das inabilidades e dos interesses menores de integrantes do Executivo e do Legislativo, a um aspecto secundário, o superteto salarial dos parlamentares e outros funcionários.
O projeto consumiu anos de trabalho de administradores, técnicos e parlamentares. É extenso e minucioso. Precisava ser muito mais profundamente explicado e debatido pelos meios de comunicação.
Também em torno dele pairam algumas perguntas importantes: o projeto vai mudar em quê a maneira como funciona o governo em seus diversos níveis? Pode restituir a capacidade de gestão e investimento? Aumenta as possibilidades de melhor utilização dos impostos pagos pelo contribuinte? Vai melhorar o desempenho do funcionalismo? Corrige os vícios que deformaram o setor público?
A magnitude das questões assusta, pode afastar leitores até. A saída seria tentar explicá-las com clareza, evidenciar sua relevância, confiar no público.
Justiça sem valor
Para completar, duas "pequenas" questões. Tomou posse o novo integrante do Supremo Tribunal Federal, o ex-ministro Nelson Jobim. Sua nomeação e aprovação deu-se sob exame mais do que ligeiro.
Imprensa e Senado fizeram as mesuras de praxe, sem proceder a um exame intensivo da conduta pregressa e das convicções jurídicas do indicado frente a temas polêmicos. Chancelaram a indicação do Executivo, na verdade.
Outra nomeação importante vem aí. É a do substituto de Jobim no Ministério da Justiça, posição decisiva em nível institucional. Confira.

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