São Paulo, domingo, 20 de abril de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CPI conclui que SP perdeu

CELSO PINTO

A CPI dos Precatórios refez as contas da operação que a Prefeitura de São Paulo fez com a distribuidora Contrato. Usou todas as explicações dadas pela prefeitura e concluiu que, em vez de um prejuízo de R$ 1,8 milhão, como havia concluído inicialmente o Banco Central, na verdade o prejuízo foi ainda maior, de R$ 2,3 milhões.
Essa é a famosa operação analisada num relatório reservado do BC, que vazou pouco antes das eleições municipais do ano passado. A reação do então prefeito, Paulo Maluf, e seu secretário das Finanças, Celso Pitta, foi furiosa.
Além de abrir um processo legal, ambos alegaram que o BC entendeu tudo errado. O BC supôs que a prefeitura vendeu um lote de títulos municipais à Contrato por R$ 51,7 milhões, para recomprá-lo, mais tarde, por R$ 53,3 milhões, gerando um prejuízo de R$ 1,8 milhão. Na verdade, segundo a prefeitura, o que houve foi uma troca de papéis no valor de R$ 53,3 milhões, sem desembolso algum, seguida de uma venda de papéis para a Contrato de R$ 51,7 milhões.
Não só a Prefeitura teria gerado um caixa positivo (de R$ 51,7 milhões) com a operação, como ainda pagou pelos papéis 0,47% acima do Selic (taxa média dos papéis federais), menos que a taxa de mercado do dia, de 0,54%. A Prefeitura saíu ganhando.
Alguns integrantes da CPI, como o senador José Serra (PSDB-SP), nunca aceitaram bem esta história. A assessoria técnica da CPI, então, fez uma nova análise da operação partindo da hipótese que todas as explicações da Prefeitura estejam corretas. Esta análise, a que a coluna teve acesso, chega à conclusão que o prejuízo não só existiu como foi ainda maior.
Para entender porque, é preciso um pouco de paciência.
A Prefeitura alega que a troca inicial dos lotes se explica porque o mercado, na época (1/12/94), estava com pouca liquidez. A Contrato tinha um lote de "paulistinhas" (papéis de São Paulo) de prazo mais longo (vencendo em 97). Como o mercado estava sem dinheiro, não conseguia passar adiantes os papéis e, se fosse financiá-los no mercado, teria enormes prejuízos e poderia quebrar.
Como a quebra de uma distribuidora provocada por problemas com paulistinhas poderia gerar uma reação em cadeia, a Prefeitura resolveu trocar este lote da Contrato por outro, de prazo mais curto (vencendo em 95), portanto mais fácil de vender. Fez a troca pelo mesmo preço, sem desembolso.
Ao mesmo tempo, contudo, a Prefeitura precisava de dinheiro e decidiu vender, para a própria Contrato, por R$ 51,7 milhões, o mesmo lote que havia comprado. Como já foi dito, pagando menos (0,47%) que o mercado do dia (0,54%). Se, em lugar de vender os papéis, a Prefeitura os tivesse financiado no fundo de liquidez do Banespa, teria pago 1,16% acima do Selic.
A análise da CPI desmonta estes argumentos:
1) Existe uma diferença entre o valor de negociação na troca inicial (R$ 53,5 milhões) e o valor de face dos dois lotes. Cada papel tem um vencimento diferente e um preço unitário. Considerando ambos, é possível calcular qual é o rendimento embutido no papel até seu vencimento.
2) No início do dia, a Contrato tinha um lote de paulistinhas de prazo mais longo (chamemos de "Lote 1"), que, analisados um por um, compunham um valor de face de R$ 57,1 milhões. Tinha também em R$ 51,7 milhões em dinheiro.
3) A Prefeitura, por sua vez, tinha um lote de papéis de prazo menor (o "Lote 2"), com um valor de face de R$ 53,8 milhões.
4) Embora tenha trocado o Lote 1 pelo Lote 2 pelo mesmo valor (R$ 53,5 milhões), o resultado foi que a Prefeitura ficou com o Lote 1, com valor de face (R$ 57,1 milhões) superior ao Lote 2 (R$ 53,8 milhões) que ficou com a Contrato. Até aí, a Prefeitura estava lucrando.
5) No entanto, no final do dia, a Prefeitura vendeu o mesmo Lote 1 de volta para a Contrato, desta vez em troca de R$ 51,7 milhões.
6) Depois desta segunda operação, a Prefeitura ficou com R$ 51,7 milhões em caixa, enquanto a Contrato ficou com os Lotes 1 e 2. Como a Contrato começou o dia com o Lote 1 em carteira, na verdade, toda a operação foi equivalente à venda do Lote 2 (que no início estava com a Prefeitura) para a Contrato por R$ 51,7 milhões.
7) Considerando a remuneração embutida no Lote 2 e o valor recebido, sua venda custou o equivalente a 2,03% acima da taxa Selic federal. Ora, como a própria Prefeitura diz que a taxa de mercado do dia era de 0,54% acima da Selic, conclui-se que a Prefeitura perdeu R$ 2,36 milhões com toda a operação.
E haveria alternativas melhores?
Sim, diz a análise da CPI. Como o mercado estava sem liquidez, o melhor seria não se financiar. Supondo, contudo, que a Prefeitura tivesse que levantar dinheiro, muito melhor teria sido não vender em definitivo o papel e sim financiá-lo dia a dia no mercado.
Por uma simples razão: a situação do mercado, como diz a própria Prefeitura, estava excepcionalmente difícil, ou seja, os juros estavam excepcionalmente altos. Vendendo de vez, a Prefeitura foi obrigada a pagar juros altíssimos. Se financiando, a Prefeitura poderia ir reduzindo o custo com o tempo, na medida em que os juros fossem caindo -o que, de fato, aconteceu.
Pela mesma razão, não faz sentido projetar o custo excepcionalmente alto de colocar os títulos no Banespa (1,16%) como se fosse perdurar para sempre.
Com estes argumentos na mão, Serra promete voltar ao ataque.
P.S.: Saio de férias pelas próximas três semanas. Até a volta.

e-mail: CelPinto@uol.com.br

Texto Anterior: MST afirma que invasões continuam
Próximo Texto: Sem-terra ocupam Incra em Salvador
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.