São Paulo, domingo, 20 de abril de 1997
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Retratos do Brasil

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Não é de estranhar que o movimento sem-terra, apesar de sua duvidosa liderança ideológica, tenha conseguido aglutinar a opinião pública a seu favor -e dificilmente saberemos, com precisão, até que ponto a Rede Globo, paradoxalmente, teve um papel decisivo nessa adesão, com o novelão do senador Caxias.
A equação proposta pelos sem-terra é a mesma que se aplica ao drama social brasileiro: tantos bens nas mãos de tão poucos.
Apenas, no caso, a terra vazia é mais visível: ficassem as reservas financeiras das elites brasileiras expostas ou empilhadas ao longo das rodovias, e não em bancos suíços, a distribuição seria um clamor nacional.
Não é de estranhar, também, que o governo acabasse às voltas com a pressão do MST.
Seja pela lógica economicista de sua equipe, seja pelo perfil conservador de suas alianças ou pela falta de imaginação e vontade política, o fato é que o governo não conseguiu transmitir ao país, até aqui, a sensação de que a dívida social começa a ser paga.
Ninguém poderia esperar deste ou de qualquer outro governo a solução definitiva para as desigualdades que dividem o país.
Mas já não é mais aceitável que as respostas oficiais às demandas sociais limitem-se à lembrança de que o Real revogou o imposto inflacionário e deu mais poder aquisitivo às "classes c e d".
Foi agindo dessa forma e distribuindo gracinhas a seus críticos que o Planalto acabou assediado por uma marcha que, desde já, tem lugar assegurado na história dos movimentos populares do país.
Não é difícil perceber as limitações das lideranças do MST, seu corte autoritário, suas manipulações -mas foram elas a se decidir pela luta dos miseráveis do campo, não o governo, que, alertado cotidianamente, preferiu a palavra demagógica e o olhar arrogante.
*
Por que tanto beicinho para as fotos de Sebastião Salgado?
O que pode a literatura diante de uma criança com fome? E a fotografia? Discussão velha e velhaca.
Será que as duas célebres fotos da Guerra do Vietnã, mostrando uma criança fugindo do napalm e um sujeito executando outro com um tiro na têmpora, não influíram para formar uma opinião internacional e nacional contra a guerra?
E será que os horrores do holocausto estariam tão impressos nas nossas memórias sem as fotos dos corpos e esqueletos de judeus nos campos de concentração?

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