São Paulo, domingo, 20 de abril de 1997
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Rituais ligados à morte perdem espaço

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A morte está perdendo espaço na cultura do final de milênio. Não é força de expressão, alertam os especialistas. As pessoas estão prestando menos atenção ao luto e a rituais como enterro e velório.
Não quer dizer que estejam lidando melhor com a morte. Ao contrário. Psicólogos afirmam que quem não se dá o tempo e o direito de enlutar-se tem mais dificuldade de aceitar aquela morte.
"As pessoas têm pressa em enterrar o corpo, como se isso fosse diminuir sua dor", diz Gabriela Casellato, psicoterapeuta do Lelu. "Os velórios são mais rápidos, não se passa mais a noite com o morto, não se guarda mais os dias de luto. Depois vêm as consequências: o sofrimento para absorver aquela morte será maior."
Direito de sofrer
Para elaborar a morte, a pessoa precisa ter o direito de sofrer a perda, diz a psicoterapeuta Cecília Casali Oliveira, também do Lelu. "Alguém precisa dizer que a pessoa não está louca, que ela está sofrendo por uma perda e que tem o direito de sofrer e chorar."
Os especialistas dizem que as pessoas necessitam de um ano, em média, para elaborar a morte de alguém próximo. É o tempo de passagem das datas que lembram o morto, o primeiro aniversário sem ele, o primeiro Natal. "Algumas pessoas que se mostram bem, acabam tendo recaídas nessas datas", afirma Cecília.
Os primeiros dois meses são de negação. A pessoa se fecha e não quer aceitar a perda. A preocupação maior é com o luto patológico, quando a perda se transforma em doença ou a pessoa não consegue mais reorganizar sua vida.
Lidar com a morte
Os terapeutas do Lelu consideram importante preparar os profissionais de saúde e os formadores de opinião -professores, entre eles- para lidar melhor com a morte. Nem mesmo as escolas de psicologia dão a devida importância ao luto. Não se trata de aprender a prevenir a dor da morte, mas em como aceitá-la melhor.
"Trabalhar com a perda não é exercício de morbidez", diz Cecília. "A pessoa aprende a viver com melhor qualidade quando toma consciência da perda pela morte."
Os hospitais, por exemplo, não têm rituais para os casos de aborto. A mãe que perdeu o bebê sai do hospital com a barriga vazia e sem referência do filho que perdeu.
Os especialistas dizem que ela teria o direito de enterrar o feto, de forma que pudesse visitá-lo e colocar flores sobre seu túmulo quando tivesse vontade.
São sinais que ilustram a história da morte, diz a terapeuta Ester Affini, também do Lelu. "Primeiro a morte foi escondida nos hospitais. Depois também os velórios passaram a ser escondidos."
(AB)

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