São Paulo, domingo, 20 de abril de 1997
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Teoria busca explicar movimento negro

FERNANDO ROSSETTI
DE NOVA YORK

O mais novo argumento para explicar os diferentes movimentos negros existentes hoje na África do Sul, no Brasil e nos Estados Unidos é relacionado à história das elites brancas desses países. Enquanto na África do Sul e nos EUA, essas elites chegaram a se enfrentar em guerras, no Brasil, os brancos teriam sido mais unidos.
"Tanto a África do Sul quanto os EUA usaram a exclusão dos negros para unificar o Estado em torno dos brancos", diz o cientista político Anthony Marx, da Universidade Columbia, em Nova York. No Brasil foi diferente. Não houve qualquer conflito significativo entre os brancos.
"Após a abolição, os negros nunca enfrentaram leis que os segregava explicitamente", diz Marx, que em janeiro lança o livro "Fazendo Raça e Nação", pela Cambridge University Press.
E é exatamente a existência de leis segregando os negros que teria provocado movimentos mais fortes na África do Sul e nos EUA.
Simpósio
Em sua fala, durante o simpósio "Sentidos e Construções de Raça na África do Sul, Brasil e Estados Unidos", no último dia 11 em Nova York, Marx descartou algumas explicações já conhecidas para as diferenças nos tipos de racismo.
Segundo ele, apenas a cultura -como o catolicismo no Brasil ter produzido uma sociedade mais racialmente inclusiva- não dá conta de explicar essas diferenças.
Também não seria só por uma questão demográfica, já que, embora tenham ocorrido graus diferentes de miscigenação, nos três países "um continuum de cores de pele foi submetido às políticas oficiais". O tipo de escravidão é outro fator descartado como explicação para a situação hoje.
"No Brasil os negros escravos morriam em número muito maior do que nos EUA".
Para Marx, o que explica a força dos movimentos negros e o papel que a questão racial desempenha hoje nesses países é o conceito de "construção do Estado-Nação".
"Na África do Sul, a construção de uma nação unificada estava bloqueada por um conflito entre os brancos, que levou à Guerra dos Boeres (1899-1902)." Travada entre os os britânicos e os descendentes holandeses, que estavam lá desde o início do século 17, a guerra foi vencida pelos ingleses.
"Mas para reunificar esses dois grupos, os negros foram excluídos em leis posteriores", diz.
Guerra Civil
Nos EUA, a Guerra Civil (1861-65), entre brancos do norte mais industrial e do sul mais agrário, também acabou com a edição de leis que segregavam os negros.
"O Brasil foi primeiro Colônia, teve sua independência, passou do Império à República sem uma troca de tiros", afirma Marx. E assim, não houve necessidade de leis para excluir, com base na raça, os negros ou mestiços da nação.
As leis de segregação na África do Sul (existentes até esta década) e nos EUA (até os anos 60) teriam causado um movimento negro mais forte. "No Brasil, a falta de um inimigo legal para mobilizar os negros enfraqueceu seu movimento. Não houve inimigo comum."
Hoje, os três países não têm leis segregacionistas, mas a desigualdade socioeconômica continua, ainda em grande parte delineada por raças, afirma Marx.
"A hierarquia racial no Brasil ainda permanece relativamente intacta. Os brancos americanos cada vez mais culpam os negros pela sua própria inferioridade. Na África do Sul as desigualdades continuam, apesar da transição."
O problema, para ele, é que "a democracia não é possível com desigualdades tão grosseiras".

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