São Paulo, domingo, 20 de abril de 1997
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Grupo faz colchas para lembrar mortos

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Inês morreu de Aids no último dia 1º de fevereiro. Tinha 47 anos, olhos verdes, fazia tapetes e gostava de festas. Na semana passada, Inês ganhou uma colcha colorida dos amigos e da filha Valéria, 27.
O fundo da colcha é verde -lembrando seus olhos- e seu último tapete inacabado compõe a homenagem. A colcha ficou pronta na semana passada.
A lembrança faz parte do Projeto Retalhos, organizado pelo Grupo Pela Vidda de São Paulo, uma entidade que trabalha com pessoas "vivendo com a Aids". Nas paredes da sede do grupo, no centro da cidade, já são oito colchas dependuradas. Cada uma delas lembra alguém morto pela doença.
A intenção do projeto é ajudar amigos e parentes a lidarem melhor com a perda que sofreram. "É uma forma de homenagear as vítimas da Aids, lembrar que os mortos não são só números", diz Mario Scheffer, um dos diretores do Pela Vidda.
Em tempos de coquetel -a terapia combinada de medicamentos antiAids-, é de bom tom não se falar em morrer. "É como se, diante das novas perspectivas, estivéssemos proibidos de falar da morte", diz Scheffer.
O Projeto Retalhos tem o apoio do Ministério da Saúde e segue os passos do projeto Names, iniciado há uma década em São Francisco, na Califórnia. Desde então, milhares de colchas foram confeccionadas e expostas em todo o mundo.
No Brasil, só agora começa a vingar. O Grupo Pela Vidda comprou uma máquina de costura e está convidando pessoas que perderam familiares ou amigos pela Aids a prestarem homenagem a eles. O artesão João de Deus Gonçalves orienta os interessados na confecção das colchas. Gonçalves, garçom de profissão, pai de três filhos, sabe que tem o HIV há 11 anos. "As mãos recortadas lembram o tapete que Inês não terminou", diz, enquanto ajuda Valéria a fazer a colcha da mãe. Valéria, grávida de quatro meses, vai juntando os retalhos, calada, ao lado do marido. A mãe estava divorciada há sete anos e só há dois soube que tinha Aids.
A primeira colcha do grupo foi feita para o Neto, um rapaz que veio do Nordeste e que morreu sem parentes. A colcha é toda tomada por um sol vermelho. "Ele gostava de roupas coloridas e adorava o mar", explicam os colegas.
A travesti Luci está reunindo retalhos para uma colcha em homenagem ao companheiro morto há um ano e que "era louco por motos". O tema será uma motocicleta.
A intenção do grupo é reunir 50 colchas para uma exposição no dia 1º de dezembro. Todas têm um tamanho padrão e são feitas com material não perecível.

Grupo Pela Vidda, São Paulo (011) 258-7729

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