São Paulo, domingo, 20 de abril de 1997
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Quando o Rio voltou a ser Rio

LUÍS NASSIF

Quando Aluizio Salles, o grande dândi da sociedade carioca, levantou-se de sua cadeira de rodas, espantou por alguns minutos a gota que o prostra e arrastou seus 85 anos em direção ao salão de danças do grill do Copacabana Palace, foi como se, naquele momento, o velho Rio de Janeiro dos anos 40 e 50 conseguisse sua revanche sobre esses tempos novos e agitados que o sepultaram.
Espalhados pelos salões do Copacabana Palace havia cerca de 500 pessoas, presentes aos 80 anos do ex-ministro Roberto Campos. Metade meros espectadores da contemporaneidade, metade vultos da história.
Havia lá os pioneiros da petroquímica nacional, nos anos 40, remanescentes do grupo do BNDES dos anos 50 -incluindo o anfitrião José Luiz Bulhões Pedreira-, o grupo de técnicos da Sumoc que ajudou a reformar o Brasil nos anos 60, de ex-reis do café-society aos primeiros empresários a buscar a internacionalização de igual para igual -como os Monteiro Aranha e Walther Moreira Salles- e algumas das mulheres esplendorosas de fins dos 40 -de dona Lily de Carvalho, que reinava, a Danuza Leão, que debutava.
Faltava a cobertura da revista "A Sombra" e as crônicas de Jacinto de Thormes. Mas, vá lá, nada é perfeito.
Foi como se se tivesse folheado as diversas camadas cronológicas que compõem a vida de uma cidade e das páginas saíssem personagens, que, depois de dado o recado, andavam dispersos ou perdidos pelos desvãos dos tempos modernos.
Com o detalhe de que, nos anos 50, naquela cidade se construía o novo Brasil.
O petróleo é nosso A alguns quilômetros dali, manifestantes invadiam o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), reagindo contra a privatização da Vale do Rio Doce.
À frente do movimento, os mesmos Henrique Miranda e dona Maria Augusta Tibiriçá, os verdadeiros organizadores da heróica campanha "O Petróleo é Nosso". Havia os ícones -generais Horta Barbosa, Leônidas Cardoso-, os propagandistas -Gondim da Fonseca, Mattos Pimenta-, os políticos -Domingos Velasco e Euzébio Rocha.
Mas a organização, que ajudou a espalhar símbolos de torres de petróleo por todas as cidades brasileiras, partiu do casal de professores positivistas, ele egresso da Marinha, ela filha de dona Alice Tibiriçá, a paulista quatrocentona que, nos anos 40, liderou os primeiros movimentos de emancipação feminina do Brasil.
Volta e meia o casal ajudava a juntar pessoas na Cinelândia para cantar o Hino Nacional sob as bênçãos do marechal Floriano Peixoto, seu vulto maior.
Desta vez, faltaram a Cinelândia e as verrinas de Gondim da Fonseca -que, se vivo fosse, deitaria e rolaria sobre a festa de Campos. Desta vez, o alarido era menor e não chegava a atrapalhar os sons que saíam do Copa, nem as luzes de homens e mulheres que, do fim dos 40 aos fim dos 60, transformaram o Rio na cidade mais agradável do planeta e em ponto de encontro internacional.
Dinossauros e entreguistas
No Copa, o aniversariante Campos ironizava os "dinossauros". Na Cinelândia, os "dinossauros" imprecavam contra os "entreguistas". No entanto, ambos os lados compunham o que de melhor o Rio ofereceu ao país nos anos 50.
Cada qual a seu modo, mesmo com os decibéis elevados dos discursos ideológicos, empenhava-se com toda sua energia e patriotismo na construção do novo país. Uns, cantando o Hino Nacional; outros -como o próprio Campos- contendo as emoções e vergastando tudo o que, em sua opinião, atrapalhasse o futuro.
No segundo governo Vargas, a equipe econômica, composta pelos de "esquerda" -Rômulo de Almeida, Cleantho de Paiva Leite-, tratava de fincar as bases industriais do país. No BNDES, economistas de largo espectro ideológico -de Campos e Lucas Lopes a Ignácio Rangel- tratavam de definir os princípios de uma política industrial que mudaria a face do país nas décadas seguintes.
Na área financeira, técnicos do Banco do Brasil e da Sumoc, liderados por Octávio Bulhões, empenhavam-se em construir as instituições que ajudariam fundamentalmente na formação do Brasil moderno. Na Sudene, os economistas de Celso Furtado esboçavam os primeiros desenhos de uma política regional.
Muita água rolou depois disso, muito vício persistiu, muitos defeitos se estratificaram ao longo das décadas seguintes. A radicalização dos anos 50 produziu fendas enormes nesse punhado de bravos. A militarização dos anos 60 excluiu parte dos brasileiros do processo de reconstrução nacional. As perplexidades dos anos 80 passaram a sensação de que o país perdera o rumo.
Nos anos 90, recria-se, em todo o país, o clima da busca das mudanças, similar ao que transformou os 50 nos anos dourados.
Na frente do Copa, os transeuntes passavam distraídos. Um ou outro olhava para os salões iluminados, sem pressentir que ali transcorria o último baile de uma geração dourada.

Email: lnassif@uol.com.br

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