São Paulo, domingo, 20 de abril de 1997
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Drogas são caras e não curam

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Aids mata, sempre. Essa verdade tem curiosamente sido colocada de lado devido aos sucessos de novas terapias com coquetéis de drogas, que supostamente encurralariam o vírus causador da doença, o HIV.
Mas esse otimismo é basicamente obra de divulgação apressada -outro adjetivo que surge na boca dos cientistas é "irresponsável"- da mídia.
Aids mata, e vai continuar matando por um bom tempo, segundo pesquisadores e médicos.
"Eu acho que é prematuro considerar a infecção pelo HIV como uma doença crônica em vez de uma fatal. Todos esperam que as novas terapias eventualmente tenham esse efeito, mas é muito cedo para se concluir agora. É possível que a resistência a drogas continue sendo um problema sério", disse à Folha o pesquisador John Moore, do Centro de Pesquisa da Aids Aaron Diamond e da Universidade Rockefeller, de Nova York.
Os novos regimes de tratamento são sofisticados quanto ao que fazem ao vírus.
As grandes estrelas são as drogas "inibidoras de protease", que impedem o funcionamento de uma proteína essencial ao vírus.
O médico clínico tem de relembrar suas aulas de biologia, pois entender como isso acontece exige saber o que é, como é, e como age um retrovírus (vírus cujo material genético não é o mais comum DNA -ácido desoxirribonucléico-, e sim o menos complexo RNA, ácido ribonucléico).
Além da questão básica de derrotar o HIV existem os detalhes aparentemente prosaicos do dia-a-dia do paciente.
Em um tubo de ensaio, um coquetel de drogas pode dar um bom resultado. Na prática, o mesmo resultado pode significar ter de tomar um número desagradavelmente alto de comprimidos, em várias horas do dia, com efeitos colaterais indesejáveis.
"E é preciso lembrar também do custo de tudo isso", diz Moore. São drogas caras, especialmente para aidéticos dos países pobres.
"Houve um progresso significativo nos últimos anos, mas a luta contra a Aids está longe de terminar", diz o pesquisador.
Outro cientista envolvido na pesquisa de terapias contra a doença reconhece o valor dos novos avanços, mas tem opinião parecida. "É muito cedo para saber se os benefícios serão duradouros", declara Philip Murphy, pesquisador do NIH (National Institutes of Health, Institutos Nacionais de Saúde, de Bethesda, Maryland, sul dos EUA).
E de fato são benefícios impressionantes. Os tratamentos baseados nos inibidores de protease "reduzem dramaticamente" a carga viral na maioria das pessoas infectadas, às vezes a níveis impossíveis de detecção no sangue.
O resultado dessas terapias é fácil de ser percebido por leigos. O doente aumenta de peso, melhora o apetite e apresenta maior atividade.
"Na minha opinião, qualquer declaração baseada nos dados hoje disponíveis, sugerindo que uma cura está próxima ou de que a Aids é uma doença crônica e controlável, é injustificada e irresponsável", diz Murphy.
Mesmo que a ciência tenha conseguido derrotar 99% dos vírus, o 1% que sobra é capaz de matar o paciente, mesmo que leve mais tempo. Pois, como lembram esses e outros cientistas, Aids mata. Sempre.

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