São Paulo, domingo, 20 de abril de 1997
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Sem-computador é o sem-terra do futuro

GILBERTO DIMENSTEIN

Numa aliança com a Microsoft, de Bill Gates, o Citibank decidiu fazer uma experiência com brasileiros que dificilmente teriam conta em banco. Muito menos computador.
Eles resolveram entregar computadores carregados com os mais modernos programas educativos a cem bibliotecas, todas instaladas em favelas e bairros periféricos das cidades brasileiras.
A doação do material é detalhe. Importante é a produção da tecnologia do conhecimento, num país com escassos exemplos de escolas públicas eficientes. Esse projeto vai transformar as bibliotecas, na prática, em laboratórios sociais.
Em parceria com a Fundação Abrinq, os responsáveis e educadores de cada biblioteca serão treinados, suas dificuldades acompanhadas e os resultados avaliados, numa constante busca de soluções.
Se der certo, o projeto tende a inspirar o sistema público, habilitando as escolas a preparar o trabalhador do futuro, obrigado a lidar com tecnologias sofisticadas.
O que é mais estratégico: distribuir terras ou computadores?
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O país acompanhou, comovido, o protesto dos sem-terra. Fez da marcha um símbolo da injustiça, omissão e violência -e com razão.
Ao apoiar o movimento, a opinião pública emitiu sinais de que os níveis de tolerância com a pobreza são menores e as demandas sociais, especialmente por emprego, tendem a ser cada vez mais articuladas.
Mas assentar famílias é, hoje, essencialmente uma questão de justiça e combate à violência. É algo como uma política de renda mínima para evitar que famílias mendiguem pelas cidades. Aí tem sentido.
Não tem sentido apresentar a reforma agrária como prioridade estratégica, num final de século movido por globalização e tecnologia informatizada. Aqui nos EUA, menos de 3% da população permanece no campo.
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Apesar de atingir poucos milhares de crianças, o projeto do Citibank com a Microsoft é relevante porque sinaliza uma prioridade estratégica, numa ofensiva da elite econômica.
As chances de o Brasil gerar emprego na era da informação, marcada por competição selvagem, dependem em boa parte não só do que se faz nas empresas, aumentando a produtividade, mas do que se produz hoje em sala de aula.
Escola que não ensina a manejar computador, entrar nas redes de informações, mantendo-o em permanente reciclagem, cria novos analfabetos.
O sem-computador de hoje é o sem-terra do futuro. Vai ficar vagando à procura de auxílio oficial, com poucas chances de encontrar um bom emprego.
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Cedo ou tarde o drama dos sem-computador vai entrar no topo da agenda brasileira.
Existe um vazio na agenda porque, combinado com a anestesia do Real, os partidos de oposição perderam discurso da modernidade; os sindicatos não reciclaram sua plataforma, presos ao corporativismo; lideranças empresariais não são ouvidas fora dos limites de sua categoria; nós, da imprensa, não estamos conseguindo ventilar, como no passado, o debate com idéias contemporâneas.
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Por causa desse vazio, os sem-terra conseguiram tanto espaço. Afinal, apenas uma ínfima minoria da população mora hoje no campo.
Há uma série de tensões que não se articularam politicamente. Grave mesmo será quando os sem-emprego da classe média, tipo bancários, executivos ou operários qualificados das regiões industriais, começarem, de fato, a fazer barulho.
Não existe, por enquanto, o movimento das famílias sem-escola. De gente que sabe da importância da educação para a sobrevivência dos filhos e não se conforma com os níveis do ensino público. Mas não tem dinheiro para escola privada. É só uma questão de tempo.
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Os Estados Unidos dão dicas diárias sobre os impactos da tecnologia. Milhares de empregos são dizimados todos os dias; outros milhares, criados. O problema é que muitos trabalhadores ficam no meio do caminho, sem condições de se reciclar.
Por causa desse massacre, uma das principais tendências americanas é o poder público simplesmente contratar quem não consegue vagas no mercado de trabalho, os desempregados crônicos. É mais barato do que mantê-los na assistência social ou na prisão.
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Há um movimento aqui que poderia perfeitamente inspirar o Brasil. Devido à velocidade da informática, os computadores usados perdem valor, custam uma ninharia. Muitos acham que é melhor fazer doação; um computador usado é útil na escola para quem dá os primeiros passos.
Adultos e crianças fazem mutirões para conectar os computadores à Internet para que, até a virada do século, nenhuma sala de aula fique fora do ar.
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PS - Várias empresas estão lançando no mercado daqui computadores excelentes, habilitados para Internet e multimídia, por menos de US$ 800. Antes de se envolver numa enrascada, é bom o governo federal refazer suas contas para comprar 100 mil computadores.

Fax: (001-212) 873-1045
E-mail gdimen@aol.com

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