São Paulo, domingo, 20 de abril de 1997
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FADIGA POLÍTICA

Política e economia têm algo em comum: vivem atravessando ciclos. Hoje o ciclo político está num momento de baixa, desgaste e, no limite, desorientação. Não se trata de uma crise, mas do aumento de tensões simultâneas.
Os exemplos falam por si. Por um único voto, o governo aprovou na Câmara, em primeiro turno, uma reforma administrativa. Ao mesmo tempo, ganharam intensidade variadas manifestações de insatisfação: da CNBB ao MST, passando pela OAB, ABI e associações de magistrados, multiplicam-se vozes dissonantes. Também contribuíram para a inquietação desentendimentos entre o Executivo e o Judiciário.
Mas o estresse não tem origem apenas em manifestações de insatisfação, na resistência de interesses corporativos ou na dificuldade, que não é nova, de tornar mais ágil o processo de reformas constitucionais.
As tensões na aliança política governista subiram alguns graus. Tornaram-se públicas notícias de desagrado do presidente com a liderança política no Congresso, depois de um incidente entre o ministro Sérgio Motta e o deputado Michel Temer.
Cresce também uma guerrilha silenciosa, de gabinetes, por espaços no governo. Os partidos maiores, PMDB e PFL, disputam uma contenda cujo horizonte, sem dúvida, já é a preparação de terreno para as eleições de 1998. Num sistema partidário fragmentado, em que predominam os clãs, a negociação de bastidores sempre deixa setores contrariados que, muitas vezes, jogam água no moinho da insatisfação.
Não há uma crise política. Não há uma ruptura da aliança governista nem ocorre um súbito fortalecimento da capacidade efetiva de ampla mobilização social dos partidos de oposição. Mas é uma situação de desgaste ou desconforto, em que o sistema político parece esgarçado por tensões coincidentes.
Embora difuso, esse ambiente abriga também um sentimento de que a estabilidade de preços, embora fundamental e necessária, não é mais suficiente, dados os anseios nacionais. É evidente que ela tem sido e sempre será um fator fundamental de sustentação do governo. Entretanto o Executivo não pode se limitar à função de "guardião da moeda". E o governo FHC, por vezes, corre esse risco.
Feitas as contas, o fato é que, desde que foi lançado o Real, a iniciativa de maior impacto e demonstração inequívoca de capacidade de realização do governo FHC talvez tenha sido a aprovação da emenda da reeleição (que ainda tramita no Senado).
As emendas constitucionais aprovadas não foram até agora regulamentadas. A reforma do Estado é mais lenta que o desejável. O governo muitas vezes acaba limitando-se às tarefas de desarmar bombas-relógio e atuar como bombeiro no sistema financeiro, nas contas externas ou nas finanças estaduais.
Porém não se vislumbram ainda um projeto de desenvolvimento e o estabelecimento de bases firmes para a construção de um país mais igualitário. O resultado, por enquanto, é uma combinação incômoda de tensões variadas, simultâneas e crescentes, com um governo cuja atuação, na prática, tem baixo impacto no campo das realizações.
A força de um político, como a resistência dos materiais, está exposta aos riscos de fadiga, ao desgaste que advém de tensões recorrentes. Hoje o governo FHC joga na retranca, mas é evidente que o jogo está longe do fim. Resta saber se ele conseguirá mudar de estratégia para manter o entusiasmo e a fidelidade da torcida.

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