São Paulo, segunda-feira, 21 de abril de 1997
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Diga: 33

GUSTAVO IOSCHPE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Passou mais um primeiro de abril, e a impressão que fica é que somos, coletivamente, uma nação de bobos mesmo. Porque nesse dia foi o aniversário de 33 anos do golpe militar, e os bobos aqui continuaram quietos.
Quantas pessoas falaram sobre a data? Quantas lembraram as torturas, os atos institucionais, as cassações, as mortes? Poucos, muito poucos. É porque devemos ser um povo extremamente pacífico, como se diz.
O último presidente militar pediu para ser esquecido quando saiu do poder, e o que que nós fizemos? Esquecemos. Como se fosse um vovô bondoso pedindo pra ser deixado em paz. Ninguém (ou muito poucos, pra não ser injusto) foi bater na porta desse senhor e importuná-lo pelos descalabros que seu regime cometeu.
Ano passado, faleceu o penúltimo dos milicos. A reação foi de elogiá-lo, glorificá-lo, até porque de gente morta não se fala mal, especialmente se for um velhinho bonachão, com jeito de aposentado jogador de biriba na pracinha.
O Brasil é um país "emergente", não é?, e essa coisa de ficar remexendo em problema do passado é coisa de terrorista, é querer se afundar. Se você vai a um médico que manda você ficar dizendo 33 pra ver o que há de errado, você vai achar um saco e não vai mais querer voltar lá.
Então fazemos a mesma coisa em escala nacional: fugimos dessa chatice, não dizemos mais 33 -assim como não dissemos 32, 30, 25 ou 15.
Pois se perde muito com essa amnésia. Perdemos a chance de nos entender um pouco melhor. Sabe essa falta de diálogo em relação aos problemas nacionais? Sabe essa vocação czarista de nossos governantes? Sabe o desrespeito pelas instituições democráticas? Sabe a falta de ideologia dos partidos políticos e seus eleitores? Sabe a distribuição de renda? Sabe a falta de terra pra quem quer plantar? Sabe esse comodismo nosso em relação à coisa pública? Tudo isso e mais um pouco pode se ligar facilmente aos anos de repressão, de mordaça.
E cumpriu tão bem o seu papel essa gente disfarçada de azeitona que, mesmo agora que se foi a mordaça, a gente continua se comportando direitinho que nem nos ensinaram nossos pais, que esse negócio de ficar remexendo na lama só vai é trazer umas sujeirinhas desagradáveis embaixo das unhas do nenê.
O bobo aqui, ingênuo, continua com a esperança de que o nenê acorde, espante os vovôs de pijama e diga: 33. Então, vá lá, diga baixinho: 33. Diga: democracia. Diga: Brasil. Quem sabe algum outro bobo por aí escute e vários bobos-ingênuos, unidos, ajudem os bobos-alegres a, juntos, dizerem 33, 34, 35. Porque todo mundo sabe que, no Brasil, a união faz a...çúcar.

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