São Paulo, quarta-feira, 23 de abril de 1997
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O setor elétrico e a globalização da economia

JOAQUIM FRANCISCO DE CARVALHO

A globalização é, em última análise, uma estratégia das grandes corporações financeiras e conglomerados industriais, visando à expansão de mercados, mediante o aproveitamento, em escala mundial, da experiência acumulada em suas regiões de origem. Entretanto, não se questiona se tal experiência pode ser aproveitada em outras regiões, de maneira favorável para as populações locais. Na verdade, o objetivo da globalização é aumentar ao máximo os lucros e concentrá-los nas mãos de conglomerados e corporações, que tenham matrizes em países desenvolvidos.
Em países periféricos, como o Brasil, essas corporações e conglomerados, em nome de uma dogmática globalização, com o respaldo institucional dos governos de seus países de origem, exercem fortes pressões políticas e econômicas, sobre as elites dirigentes locais (aí incluídos governantes, jornalistas, empresários, intelectuais etc.), para afrouxar o controle local, garantido pelas empresas estatais, sobre o imenso potencial econômico, representado por seus recursos naturais e pela prestação de serviços públicos, em particular a produção e distribuição de energia.
Tudo parece ser uma busca de novos caminhos, para se manter a atual repartição da renda mundial, ou concentrá-la ainda mais, na direção dos países industrializados. Esta repartição, até agora assegurada, em grande parte, pela rolagem da imensa dívida externa dos países em desenvolvimento, dá evidentes sinais de esgotamento, pois não há meios realistas para se gerarem divisas, em volumes tão expressivos. Procuram-se, então, novos mecanismos para manter-se a transferência de renda das antigas regiões colonizadas (a periferia), para os países centrais; e de setores diretamente produtivos, para setores intermediários e até para atividades especulativas, como as que caracterizam certos mercados financeiros. Aliás, a cobiça pela privatização da Vale do Rio Doce ilustra muito bem essa tendência.
De particular interesse estratégico, para os países centrais, são as estatais do setor elétrico, por controlarem monopólios naturais com mercados cativos e crescentes à sua disposição. De fato, eletricidade é um fator vital para toda e qualquer atividade humana. Dela dependem as comunicações; a produção industrial; a conservação dos alimentos; a iluminação residencial e pública; o funcionamento dos laboratórios e instituições de ensino e pesquisa, enfim, tudo. Como todos pagam tarifas, o sistema elétrico é, por assim dizer, uma espécie de arrecadador automático de parte da renda dos demais setores da economia. Deve-se assinalar que, com as atuais tarifas, o sistema elétrico brasileiro pode arrecadar cerca de R$ 18 bilhões por ano. E se as tarifas subirem, por força dos lobbies privatistas, a arrecadação crescerá proporcionalmente, pois sempre haverá grandes consumidores de eletricidade.
Nossas elites deveriam refletir sobre os casos de países como Chile, México e Argentina, cujas tentativas de inserirem suas economias no chamado Primeiro Mundo, pelo caminho da desestruturação do Estado e das privatizações, resultaram grandes fracassos. Dominadas pelo vício do dinheiro fácil, as elites daqueles países não percebem que, a médio prazo, serão levadas ao abismo, pela desestruturação do Estado e globalização da economia, pois, na verdade, o capitalismo, especialmente na América Latina, sempre dependeu do Estado. Sem este, o mercado transforma-se em campo de sangrentas batalhas por lucros fáceis, caindo para segundo plano as virtudes morais básicas da sociedade, como honradez, lealdade, veracidade, solidariedade e amor ao trabalho. Abre-se, então, caminho para a violência, o crime organizado, o tráfico de drogas e outros males, que acabarão por destruir toda a sociedade organizada, levando de arraste as pretensas elites. É só uma questão de tempo.
Aceitando passivamente os dogmas da globalização, impostos por grupos oriundos de países ricos, o governo deixa sérias dúvidas sobre sua competência e autodeterminação, para formular e executar uma política para o setor elétrico que, de fato, atenda aos interesses da sociedade brasileira. Se as privatizações forem levadas a cabo, o sistema elétrico passará, em breve, a arrecadar e remeter poupança interna para o exterior, atendendo apenas às conveniências de países que desejam manter sua opulência, à custa da crescente descapitalização dos países periféricos.

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