São Paulo, sábado, 26 de abril de 1997
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"Não vai haver trambique", diz Ermírio

ANTONIO CARLOS SEIDL
DA REPORTAGEM LOCAL

O empresário Antônio Ermírio de Moraes, 68, do grupo Votorantim, líder do consórcio Valecom, que vai disputar o controle da Vale do Rio Doce no leilão previsto para terça, na Bolsa do Rio, garante que, se vencer, não vai desmembrar a empresa, nem deixar que seus sócios estrangeiros ajam contra interesses brasileiros.
"Não vai haver trambique. De uma maneira geral, nossos sócios estrangeiros são gente séria."
Em entrevista à Folha, Ermírio de Moraes defendeu a manutenção da Vale como é hoje. Se vencer, descarta o desmembramento das áreas de negócios, tais como transportes, alumínio e papel e celulose.
Isso, disse, daria força aos adversários da privatização, provocando um rolo compressor estatizante.
Ermírio de Moraes é a favor do uso do dinheiro arrecadado pelo governo com a venda da Vale em um amplo programa de educação.
Para ele, a presença de apenas dois consórcios no leilão do controle acionário da Vale mostra que a avaliação do governo foi elevada. Seu grupo avalia a empresa entre R$ 8,8 bilhões e R$ 9 bilhões.
Por isso, ele acredita em um ágio pequeno, de cerca de cerca de 4%.
Dizendo-se tranquilo do ponto de vista espiritual, tanto para vencer quanto para perder, Ermírio de Moraes aguarda com serenidade o leilão de terça.
Para relaxar, ele vai ao Pacaembu -"o melhor lugar para ver futebol"-, no domingo, quando o estádio será reaberto, para ver o Corinthians jogar contra a Lusa.
Leia trechos da entrevista:
*
Folha - Qual sua expectativa em relação ao leilão de terça-feira?
Antônio Ermírio de Moraes - Somos apenas mais um concorrente. Estou tranquilo do ponto de vista espiritual, tanto para ganhar quanto para perder. Na democracia é isso mesmo. Agora o que eu queria afirmar mais uma vez é que, se amanhã nós formos os ganhadores, certamente não vamos sair por aí fazendo da Vale, que é uma enorme companhia, apenas um departamento. Dá impressão por aí que alumínio vai embora para fulano, celulose vai embora para beltrano, e faz-se dinheiro.
Folha - O sr. não pretende então desmembrar a Vale, caso vença?
Ermírio de Moraes - Não. Da nossa parte o que estamos pensando é exatamente o contrário. Vamos estudar departamento por departamento para saber o que está ganhando e o que está perdendo. Mas isso não se faz num fim de semana. Isso é uma coisa muito séria porque a Vale é uma companhia digna. Queremos mantê-la unida. Quem ganhar essa concorrência terá uma responsabilidade enorme de manter a dignidade dela e até melhorar essa dignidade. É preciso respeitar essa privatização.
Folha - Por quê?
Ermírio de Moraes - Porque a Vale é reconhecida lá fora como uma grande empresa. Então, é preciso respeitar a Vale. Se não respeitarem essa privatização, se ela for mal feita, a estatização vem como um rolo compressor
Folha - O sr. prevê, então, uma onda estatizante caso a Vale seja desmembrada e perca sua unidade e expressão no exterior?
Ermírio de Moraes - É claro, não tenha a menor dúvida. Isso é uma questão de tempo.
Folha - Em que uma Vale privatizada pode ser melhor do que a Vale estatal?
Ermírio de Moraes - A vantagem dessa privatização é poder retirar as amarras do Estado, porque o governo criou tanta burocracia para as estatais que mesmo o maior administrador do mundo tem dificuldade para expandir seus negócios.
Folha - Em quanto tempo o sr. coloca a Vale em ritmo de empresa privada, caso o sr. vença o leilão?
Ermírio de Moraes - Eu seria leviano se dissesse isso para você, palavra de honra. O negócio é debruçar sobre o assunto, se amanhã nós vencermos, porque o Brasil tem urgência de deixar a Vale em ordem. Quer dizer, está em ordem, mas pode melhorar. Para conhecer a Vale, vai demorar uns dois anos.
Folha -Qual a primeira providência para melhorar a Vale?
Ermírio de Moraes - Retirar as amarras, insisto. Não é que nós sejamos melhores na área privada, mas sem as amarras vamos andar mais depressa. O governo amarra demais a empresa estatal. A burocracia e as pressões políticas são muito grandes. Infelizmente, os políticos ficam em cima dessas empresas estatais.
Folha - O sr. tem dito que uma das coisas que precisam melhorar na Vale é a rentabilidade da área de alumínio. Como?
Ermírio de Moraes - O setor de alumínio deve US$ 2 bilhões. Temos que pensar como melhorar isso. Tenho uma idéia na cabeça, mas não posso falar agora. Vamos ter que agir com tranquilidade, pois não quero me precipitar.
Folha - Não dá nem para falar em linhas gerais?
Ermírio de Moraes - Não quero falar disso agora porque não me considero o vencedor do leilão. Se nós perdermos, a primeira pessoa que vai ligar para o Benjamin (Benjamin Steinbruch, presidente da Companhia Siderúrgica Nacional) sou eu. Desejamos sorte a ele, porque, sinceramente, o que peço a Deus é que quem fique com a Vale venha prestar serviço para o Brasil, em nome do Brasil, pela respeitabilidade da Vale.
Folha - O sr. esperava mais consórcios, mais concorrência na disputa pela Vale?
Ermírio de Moraes - Achamos que a avaliação do governo estava até elevada. Nossa avaliação ficava entre R$ 8,8 bilhões e R$ 9 bilhões. E o preço mínimo estabelecido pelo governo é bem mais elevado do que isso. A prova disso é o interesse de apenas dois consórcios. Se estivesse mais baixo, haveria mais de 50 consórcios...
Folha - Vai haver ágio? De quanto?
Ermírio de Moraes - Espero que não seja de 30%, como foi publicado na "Gazeta Mercantil", espero que não...(risos)
Folha - Qual é o seu palpite?
Ermírio de Moraes - Não deve passar de 4%, porque é muito dinheiro. Só não é dinheiro na boca de quem faz discurso.
Folha - O sr., um crítico contumaz da globalização, vai trabalhar, pela primeira vez, com sócios estrangeiros. Como será essa relação?
Ermírio de Moraes - É verdade, mas temos que pensar da seguinte maneira: se não abrirmos o olho, o Brasil vai do Terceiro para o Quarto Mundo. O Primeiro Mundo procura dificultar a vida do Terceiro Mundo para que este possa ser apenas um fornecedor de matérias-primas. Essa é a regra do jogo, não estou falando mal do pessoal do Primeiro Mundo, porque o dia em que o Brasil entrar para o Primeiro Mundo ele vai fazer isso com a Bolívia, com o Paraguai, com a Venezuela. Esse pessoal vai sofrer, porque o Primeiro Mundo faz o Terceiro sofrer. Isso é normal, mas, de qualquer maneira, nós temos que nos defender.
Folha - Como?
Ermírio de Moraes - Veja nosso caso no grupo Votorantim. Tivemos que demitir 20 mil homens para poder sobreviver. Demitir é a coisa mais doída que pode acontecer na vida do empresário. Não tem nada pior, porque cada brasileiro vive hoje com a espada da demissão na nuca. Todo mundo está preocupado. Os estrangeiros nos vendem know-how para criar desemprego aqui.
Folha - Muitos críticos da privatização dizem que, ao vender a Vale, o governo abre mão de uma empresa estratégica para negociações em defesa dos interesses brasileiros no exterior.
Ermírio de Moraes - De fato, o setor de minério de ferro poderia ter um poder de barganha, mas o governo não liga para isso. O governo não usufrui disso. Quando é que você viu o governo impor esse poder de barganha para melhorar o preço do minério de ferro para as exportações ganharem um pouco mais de força? Isso não passa de conversa.
Folha - Uma questão polêmica é o uso do dinheiro da privatização da Vale pelo governo. Onde o sr. acha que deveria ser aplicado: na redução da dívida pública ou em investimentos?
Ermírio de Moraes - Tirar o atraso em educação. A prioridade é a educação. O dinheiro da Vale é uma gota d'água num oceano em se tratando de reduzir a dívida interna e externa de mais de US$ 230 bilhões. Podia pegar esse dinheiro e concentrar numa coisa: a educação. Não deve dar para os Estados porque eles vão perder tudo. O melhor uso é fazer um amplo programa de educação.
Folha - Voltando ao assunto Vale, como será feita a gestão da empresa por seu consórcio, caso saia vencedor? Quem vai mandar na Vale? Qual a participação dos sócios estrangeiros na gestão?
Ermírio de Moraes - Se ganharmos, nosso contrato de gestão virá a público. De uma maneira geral, é gente séria. Não vai haver trambique, não. Vamos estar atentos. Não vamos desmembrar a Vale. O outro consórcio está com essa idéia de "departamentizar". Isso é fogo. É uma maneira de amenizar gastos e reduzir a necessidade de investimentos. E a Vale, o minério de ferro, vai ficar um departamento. Isso não é bom para o Brasil. Não é bom para a privatização, porque o pessoal da área estatizante vai dizer: está vendo, olha a sacanagem aí.

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