São Paulo, sábado, 26 de abril de 1997
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Martorelli quer banir clube 'mau patrão'

MARCELO DAMATO
DA REPORTAGEM LOCAL

O ex-goleiro Rinaldo Martorelli, 35, quer que os clubes com dívidas com jogadores sejam proibidos de disputar campeonatos. Essa, segundo ele, é a melhor forma de obrigar os clubes a pagar.
Só no Estado de São Paulo, os clubes devem R$ 1,2 milhão aos atletas, contando apenas as dívidas julgadas pela Justiça esportiva.
Segundo Martorelli, a maioria dos clubes não deixa de pagar por falta de dinheiro, mas por "má vontade" de seus dirigentes. E, segundo ele, os dirigentes das federações e CBF não aplicam punições por medo de perder votos nas eleições.
Martorelli diz que os debates sobre as mudanças nas regras do passe aproximaram os jogadores do sindicato. "Quem não se politiza, acaba sendo passado para trás."
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Folha - Hoje, os jogadores com salários atrasados processam os clubes na Justiça esportiva, ganham, mas não conseguem receber. O que pode ser feito?
Rinaldo José Martorelli - As federações e os tribunais precisam cumprir as leis do esporte e o CBDF (código disciplinar). Se isso não voltar a ser feito, o sindicato irá à Justiça.
Folha - Poderia ser criada uma regra administrativa?
Martorelli - A CBF deveria impor que os clubes só pudessem se inscrever nos campeonatos se estivessem sem dívidas com jogadores, clubes ou federações, e sem impostos atrasados.
Folha - Mas você reconhece que os clubes estão mal. Dá para executar esse plano já?
Martorelli - Não acho. Poderia ser dado um prazo para a quitação das dívidas existentes. E o clube se obrigaria a não contrair nenhuma dívida nova.
Folha - Essa regra existe em outros países?
Martorelli - Claro. Na Itália, por exemplo, os clubes são obrigados a manter as contas em dia, não podem gastar muito além das receitas. Há clubes que foram rebaixados por dívidas.
Folha - Os clubes deixam atrasar os salários por falta de dinheiro ou por outro motivo?
Martorelli - Existem muitos clubes em dificuldades, mas são poucos os que têm boa vontade em pagar. A maioria quer trapacear para não pagar. Já passei por um clube em que o presidente não tinha dinheiro, mas era sincero com os jogadores, mas isso é raro.
Folha - Pelo que você fala, o problema não é falta de receita, mas os erros na hora de gastar...
Martorelli - Claro. A maioria dos dirigentes quando assume tem um projeto pessoal, muitas vezes ligado à política. Ele não se importa se faz dívidas ou não. No fim do mandato, ele sai e deixa o buraco para o sucessor. O que vemos hoje é a sequência de várias administrações desse tipo nos clubes.
Folha - Como eles estão hoje?
Martorelli - Principalmente no interior, existem clubes cujo patrimônio desapareceu, que não tem nem cadeira. A sede é uma sala emprestada pela prefeitura. O campo é da prefeitura. Que segurança um clube desse pode dar?
Folha - Na NBA, por exemplo, os clubes precisam ter capital mínimo de investimento. Isso deveria ser aplicado aqui?
Martorelli - Atualmente, não dá para fazer. Mas a federação poderia exigir uma carta de seguro-fiança. Se o clube não pagar os salários, o seguro paga. Mas existe muito clube que teria dificuldade até de conseguir isso.
Folha - O que mais poderia ser feito?
Martorelli - As federações deveriam fiscalizar as contas dos clubes, para evitar que os interesses de outros clubes e dos jogadores fossem lesados. Veja o caso do Araçatuba. Deve um monte de dinheiro, mas continua gastando muito em contratações.
Folha - Você é a favor do rebaixamento por dívida, por má gestão financeira?
Martorelli - Sim, eu sou favorável. O problema no Brasil é que ninguém organiza ou promove as divisões inferiores. Quem cai tem medo de não voltar.
Folha - Qual é a sua fórmula para o calendário?
Martorelli - Acho que no Brasileiro cada Estado ou região deveria ter um número fixo de vagas. O acesso e o descenso seriam feitos entre os times de cada Estado ou de cada região. Assim, os times que disputassem o Brasileiro não disputariam os estaduais.
Folha - Os clube pequenos no Brasil e em São Paulo reclamam de abandono. Você concorda?
Martorelli - Atualmente, só há investimento das federações na primeira divisão. As demais estão abandonadas. Os clubes dessas divisões também fazem parte do futebol.
Folha - Uma proposta recente é que as federações usem parte de sua verba -que tem aumentado muito- em investimento direto nos clubes. Você é a favor?
Martorelli - Há muita coisa que precisa ser revista. Uma questão são as taxas de transferência, que, para os clubes pequenos, são muito altas comparadas aos salários pagos. Existe clube que cobra a taxa do próprio atleta.
Folha - Essas taxas deveriam acabar para os clubes menores?
Martorelli - Acabar, não. Deveriam ser reduzidas a um preço que se possa pagar.
Folha - Vamos falar um pouco dos jogadores. A categoria é tida como desunida. Mesmo o Pelé disse que os jogadores mais ricos não se preocupam com os demais. O que mudou nos seus quatro anos à frente do sindicato?
Martorelli - A preocupação com esses aumentou, mas há bem pouco tempo. Essa categoria tem um aspecto que dificulta a ação do sindicato. As diferenças salariais são muito grandes, o que torna os interesses dos jogadores também muito diferentes. Além disso, o passe intimida os jogadores de altos salários a tentar defender os que ganham menos. Eles temem ter a carreira prejudicada.
Folha - O sindicalismo do futebol está crescendo no Brasil?
Martorelli - É um processo real, mas muitas vezes tímido. Há grupos querendo formar sindicatos no Paraná, em Goiás e no Pará, por exemplo. Em Minas Gerais, também está sendo discutido isso (hoje existem sindicatos em São Paulo, Rio de Janeiro, Amapá e Rio Grande do Sul).
Folha - O que motivou mais os jogadores: a falta de dinheiro ou a discussão sobre a lei do passe?
Martorelli - Um pouco de tudo. Os jogadores também estão se cansando de serem postos de lado em tudo. Como a sociedade toda, eles estão se conscientizando. Veja o movimento dos sem-terra. Os atletas estão acompanhando isso.
Folha - O que mudou na cabeça dos atletas?
Martorelli - Hoje, eles perceberam que precisam se politizar. Quem não se politiza, acaba sendo passado para trás. Os atletas estão mais preocupados com a sua profissão. A concorrência aumentou, e o mercado quer jogadores com mais responsabilidade.

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