São Paulo, sábado, 26 de abril de 1997
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Repentistas invadem a capital

XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

O repente, uma espécie de rap com sotaque ibérico e sertanejo, deixa a caatinga e vive o seu renascimento em São Paulo. Do final da tarde de amanhã até o dia 13 de julho, sempre aos domingos, a cidade será palco para o 1º Campeonato Brasileiro de Poetas Repentistas.
O megaevento, que tem realizado etapas eliminatórias desde o início do mês, reunirá, ao final da temporada, cerca de 300 homens de viola em punho para desafios quase mortais.
"Simbolicamente é como se cada um estivesse com uma peixeira na mão", diz Lourinaldo Vitorino, pernambucano residente em São Paulo e um dos mais celebrados repentistas do país.
Vitorino organiza o festival na companhia do paraibano e também repentista profissional Sebastião Marinho, várias vezes campeão em desafios e que há quase 20 anos promove eventos em guetos nordestinos na periferia.
Duelo
Vale tudo nas rimas espalhadas por sextilhas, motes em sete sílabas e decassílabos. Como dois boxeadores, os repentistas se pegam, martelando em cima de temas fornecidos na hora pela comissão julgadora do campeonato.
Quem não for do ramo se engasga, cospe palavra fora e aguenta uma torcida engajada, cada vez mais composta por novos paulistanos adeptos do gênero.
Na pré-eliminatória realizada até a madrugada de anteontem, por exemplo, os temas (motes) foram do tipo "cabeça" ("Hoje eu pretendo mostrar quem é esse alienado") ao romantismo do fim de século ("Essas ondas de lágrimas levarão um desgosto de mim para longe dela").
Para incendiar as violas e os gogós dos repentistas, também foi proposto o mote "Se prepara cantador que o pereiro vai descer".
Pereiro é uma árvore nordestina cujos galhos são conhecidos por duas qualidades: são ótimos para fazer cercas e dar "surras em cabras safados", como explicaram os poetas para os paulistas da platéia.
Diadema
Como o rap, que adota versos crus sobre a lama cotidiana, o repente sempre trouxe na sua métrica a dor do mundo. Principalmente a que sai nos jornais.
Na eliminatória de quinta-feira à noite, o alagoano Cícero Alves, há seis meses em São Paulo, improvisou sobre tragédias recentes como a dos policiais de Diadema e a versão "laranja mecânica" dos jovens que queimaram o índio pataxó em Brasília.
O repente chegou a São Paulo há meio século, quando desembarcou na antiga Estação do Norte, no bairro do Brás, na região central da cidade, o poeta alagoano Guriatã de Coqueiro. Hoje ele vive em Guarulhos.
O campeonato dos cantadores é promovido pela Ucran (União dos Cantadores Repentistas e Apologistas do Nordeste) e Centro Popular de Cultura da Umes.

Evento: 1º Campeonato Brasileiro de Poetas Repentistas
Onde: r. Rui Barbosa, 323, Bela Vista
Quando: domingos, 17h, de amanhã a 13 de julho
Quanto: entrada franca

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