São Paulo, sábado, 26 de abril de 1997
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Romance conta doce vida nos subúrbios de Paris nos anos 50

LUIZ ANTÔNIO RYFF
DA REPORTAGEM LOCAL

Um romance sobre a história de uma família de filhos de imigrantes antilhanos em um subúrbio parisiense na década de 50 virou um sucesso na França. Vendeu 400 mil cópias.
"Campo Sem Dono" é o primeiro romance escrito pelo professor de economia Daniel Picouly, 48, que antes escrevia novelas policiais.
Enquanto se dedica à sequência de seu romance, levando "sua" família para férias na Argélia no fim da guerra de independência, Picouly concedeu uma entrevista telefônica à Folha, de Paris.
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Folha - O que é "Campo Sem Dono"? Uma alegoria da infância?
Daniel Picouly - É uma homenagem aos meus pais, que conseguiram fabricar felicidade em condições familiares tão difíceis.
Folha - Moicano, o menino que narra a história, é sua madame Bovary?
Picouly - Sim (risos). O livro é bastante autobiográfico. É a minha família em 99,54% dele.
Folha - Existe na França essa nostalgia da infância perdida, especialmente do período pós-Segunda Guerra. Como explicar tanta nostalgia?
Picouly - Foi uma época que chamamos de "tempo glorioso", os 30 anos, sem interrupção, de progresso econômico e social. Tudo o que vai de 1945 a 1975 foi um período em que vivemos melhor.
Era o fim da Guerra, momento da reconstrução da Europa, do progresso, do consumismo, dos carros, da televisão, quase nenhum desemprego.
É um período que não tem nada a ver com o atual, e as pessoas se deram conta de que não tinham consciência de quanto eram felizes. Pensávamos que o progresso seria eterno. Não imaginávamos que um dia a crise chegaria.
Folha - Alguns jornalistas franceses definiram seu livro como "anti-Ódio", em oposição ao filme de Mathieu Kassowitz, pois ambos tratam da vida nos subúrbios, embora com distância de 35 anos. O seu destaca o lado convival, e o outro os aspectos mais violentos. Mas os subúrbios franceses daquela época eram diferentes. Imigração, violência e desemprego não eram problemas. Hoje, o momento social e histórico é diferente. O que mudou nos subúrbios e na vida dos imigrantes que moram lá?
Picouly - Compararam livro e filme porque eles saíram ao mesmo tempo e havia um fenômeno criado por "O Ódio". Era como se a violência fosse a única saída para os problemas dos subúrbios.
Digo no livro que os HLMs (habitações com aluguéis subsidiados pelo governo) eram um sonho. Hoje são pesadelo. Mas, quando era criança, ter uma ducha, uma casa com vários cômodos, água quente, aquecimento central, isso era um sonho para as pessoas. Sonhos que podíamos realizar.
Agora, as crianças não sonham, porque sabem que será difícil realizá-los. A diferença é a situação econômica. Muitos adultos estão desempregados (cerca de 12%) e os jovens na escola sabem que não terão trabalho (a taxa de desemprego entre os filhos de imigrantes menores de 25 anos passa dos 60% em certos subúrbios).
Quando eu era jovem, eu sabia que, se estudasse, teria uma profissão, ganharia minha vida e as coisas iriam melhorar. Hoje, você pode ir à escola, conseguir um diploma, e não conseguir trabalho. A consequência disso é a violência, a droga. Quando era criança, as drogas eram um fenômeno marginal.
Folha - O sr. trabalha na continuação de "Campo Sem Dono"?
Picouly - Sim. O pai promete levar a família à Argélia em férias. Uma parte da família se encontra na Argélia no verão de 62. Conto os primeiros dias do Estado argelino. São dias que Moicano vai viver de maneira muito particular.

Livro: O Campo Sem Dono
Lançamento: Ed. Record
Quanto: R$ 25 (304 páginas)

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