São Paulo, sábado, 26 de abril de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Entidade é mais do que um cinema

RUDÁ DE ANDRADE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Parece-me suficientemente difundida a óbvia importância da Cinemateca Brasileira em sua função primária, a arquivística, referente à preservação de filmes e documentos sobre o cinema.
Também não deixa dúvida o mérito da sua função complementar, a de divulgação cultural, propagada pela mídia nas ocasiões dos seus eventos e refletida nos comentários do público.
Entretanto, a desinformação ainda gera certa confusão, fazendo muita gente pensar que a Cinemateca não passa de um cinema na rua Fradique Coutinho, exibindo filmes de arte, vindos do além.
Apesar das eventuais falhas de apreciação, como esta, a Cinemateca Brasileira adquiriu significativo prestígio institucional e qualquer esclarecimento a respeito de suas finalidades e ações hoje é facilmente assimilado e acatado.
Descartável
Estamos longe dos primórdios dessa instituição, nas décadas de 40 e 50, quando predominava a idéia do filme como um produto de entretenimento descartável.
Isso ocorria inclusive nos meios intelectuais e universitários, pois, na primeira metade deste século, prevalecia, entre nós, o desconhecimento da história do cinema, de sua evolução narrativa ou de suas experiências estéticas.
Naquela época, antes de justificar a necessidade ou utilidade de um arquivo de filme, era preciso explicar rudimentos como equivalência de valores entre filme e livros antigos ou a existência de matrizes e cópias dos filmes.
Pior. Era necessário expor -e com ênfase- que cinema era, além de entretenimento, uma arte, um poderoso meio de educação e comunicação, um documento.
Hoje, o conceito e o conhecimento cinematográficos são outros e uma cinemateca apresenta-se como organização cultural convencional, ao lado de museus, bibliotecas e arquivos.
Qualquer exame amplo sobre a Cinemateca Brasileira deve considerar três pontos fundamentais. Primeiro, a avaliação do conteúdo de seu acervo, que é a sua essência; segundo, a análise da sua contribuição cultural nos 50 anos de sua existência; terceiro, o planejamento de suas futuras atividades museológicas e de difusão cultural.
A partir dessa premissa, a atual situação da Cinemateca Brasileira pode ser resumida como segue.
Seu acervo fílmico é valioso. Contém boa parte da produção ficcional existente no país e o material documental retrata importantes momentos da história brasileira deste século.
A catalogação desse acervo está avançada. O problema é a urgente necessidade da construção de novos arquivos climatizados e investimentos para a sua preservação e ampliação.
Reflexos positivos
O acervo de documentos em papel (biblioteca, iconografia etc.), também expressivo, vem sendo preparado para sua instalação na nova sede da Cinemateca.
A ação cultural da Cinemateca nos planos paulistano e nacional é histórica e teve muitos reflexos positivos. Em São Paulo, a Cinemateca introduziu a exibição dos clássicos do cinema e da filmografia histórica brasileira e internacional.
A apresentação sistemática de filmes das mais variadas origens e estilos, em forma de ciclos e mostras temáticas, foi cobrindo as lacunas do circuito comercial, especialmente no passado, quando a predominância americana nas salas de exibição era total.
Além disso, introduziu os debates, cursos e palestras sobre cinema. A efervescência das atividades da Cinemateca nos anos 50 e 60 marcou muito a comunidade intelectual e universitária desta cidade.
No Brasil, a instituição estimulou o surgimento e a consolidação de incontáveis centros culturais cinematográficos, do norte ao sul do país. Fez isso com orientação técnica e fornecimento de filmes.
Foi marcante a contribuição da Cinemateca para a formação dos cineastas brasileiros e para o desenvolvimento da crítica cinematográfica neste país.
No quesito ação cultural, é impossível deixar de nomear Almeida Salles, Lourival Gomes Machado, Benedito J. Duarte e Francisco Matarazzo Sobrinho nos primórdios da Cinemateca.
Na segunda fase, após 1954, a figura do crítico Paulo Emílio Salles Gomes se realça ao primeiro plano, não só com seu trabalho direto e força intelectual, mas também por ter formado discípulos que seguiram seus passos.
Quanto às perspectivas futuras da Cinemateca, dependerão dos recursos financeiros que terá à disposição e da consolidação de um replanejamento objetivo.
Alguns passos fundamentais já estão sendo dados para a construção dos novos arquivos climatizados e para a conclusão do espaço destinado ao setor de documentação, na nova sede da Vila Mariana. Tais obras darão novo ânimo às atividades museológicas da instituição e aos seus técnicos.
Ao abordar as questões de recursos, planejamento realista e futuro dessa instituição, não se pode deixar de lado a Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC).
Esta foi criada em julho de 1962 e, na sua primeira fase, foi presidida por Dante Ancona Lopes. Nesse mesmo ano, não mais dispondo do auditório do Museu de Arte Moderna, no qual a Cinemateca fazia sessões regulares, esta reiniciou suas atividades, por meio da SAC, no auditório do Masp, para satisfazer a enorme demanda pública de então.
Nessa ocasião, foi criado um sólido quadro social, com mais de duas mil pessoas, e a SAC, durante alguns anos, pôde cumprir suas finalidades de auxílio material à Cinemateca e de apoio à difusão cultural desta entidade.
Nova realidade
Com o regime militar, a história do país mudou e as entidades foram acomodando-se como podiam à nova realidade. Houve uma paralisação paulatina da SAC, enquanto a Cinemateca concentrou-se durante anos no aperfeiçoamento tecnológico e na reorganização de seu acervo.
Apenas em 1988 a SAC foi reestruturada, com Bresser Pereira na presidência. Thomas Farkas, Roberto Teixeira da Costa, Pedro Correa do Lago e, agora, Cosette Alves os sucederam.
Fez parte dessa reestruturação a abertura da Sala Cinemateca, em Pinheiros, que exibe a programação da Cinemateca. Nesse período, a SAC passou a ter papel preponderante na vida da Cinemateca, à medida que vem cobrindo boa parte de seu orçamento.
Em entrevista que dei à Folha em outubro de 1956, sobre a Cinemateca Brasileira, concluía dizendo que esta corria sério perigo, por falta de recursos, podendo ter seu trabalho de anos destruído inteiramente de um momento a outro.
Três meses depois os jornais estampavam manchetes anunciando o trágico incêndio que a Cinemateca sofrera, destruindo sua sede e grande parte do acervo.
Agora finalizo apostando no oposto. A disposição dos poderes públicos, que começa a se transformar em atos, com a destinação de recursos financeiros para obras e projetos culturais, aliada à força da Sociedade Amigos da Cinemateca poderão dar o essencial para a consolidação dessa entidade e garantia de seu acervo, patrimônio indispensável e insubstituível.

Texto Anterior: Conheça a Cinemateca Brasileira
Próximo Texto: Braz assume "farsa irresponsável"
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.