São Paulo, sábado, 26 de abril de 1997
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Vaias e traseiros não dão votos

LEÔNCIO MARTINS RODRIGUES

Uma tentativa de resposta a essa questão, que não seja totalmente dependente de posições políticas apriorísticas, requer um esforço de precisão da resposta. Para começar, seguramente as manifestações de Brasília não fortaleceram o governo. Mas a questão é quanto podem tê-lo enfraquecido, isto é, qual a extensão do dano que podem ter ocasionado.
Minha hipótese é que, eleitoralmente, os prejuízos para o governo e para a popularidade do presidente foram pequenos e podem ser absorvidos em pouco tempo. A "pressão de massa", embora tenha criado um clima antigovernamental e aquecido a oposição, na verdade reuniu grupos que já estavam contra o governo.
É difícil saber em que medida manifestações de rua levam eleitores a mudar de voto. Provavelmente pouco afetaram posições dos que já eram a favor ou contra FHC. A marcha dos sem-terra (sem dúvida um acontecimento importante) dificilmente afetará os resultados das próximas eleições.
Mas, no momento, parece inegável que a série de atos de rua liderados pela oposição (de esquerda) pôs o governo na defensiva. Porém, é difícil mantê-los. Marchas dos sem-terra, mesmo com todo o apoio da igreja, não podem ocorrer todos os meses. Vaias e exibição de traseiros masculinos não dão votos.
Os sindicatos do setor privado e do setor público, por seu lado, não estão conseguindo "mobilizar as bases". Quando muito, conseguem reunir uma minoria de militantes para lotar as galerias da Câmara, agindo como coadjuvantes de outros interesses mais poderosos (e minoritários), que preferem o trabalho de lobby nos bastidores, silencioso, porém mais eficiente.
De todo jeito, as mobilizações antigovernamentais de Brasília e de outros lugares, por coincidirem com as votações das propostas reformistas do Executivo, contribuíram de alguma maneira para reduzir o número de votos que o governo esperava obter entre os parlamentares. Mas cumpre não esquecer que o Executivo já vinha tendo muitas dificuldades para fazer passar certas alterações no sistema de administração pública, corpo e alma de nosso modelo corporativo-burocrático, talvez parte do DNA nacional.
Assim é que, mesmo sem o MST (a melhor bandeira da esquerda hoje em dia), o Executivo já vinha sendo obrigado a muitas concessões a parcelas da classe política e aos estamentos burocráticos. Se, a partir de agora, a base de apoio parlamentar de FHC diminuir, então poder-se-á afirmar que, de fato, as oposições se fortaleceram.
Se isso não acontecer, como parece a alternativa mais provável, a marcha dos sem-terra e outras manifestações da oposição ficarão como parte do passado que só afetarão o futuro por terem sido utilizadas para dificultar a reforma do Estado brasileiro.

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