São Paulo, sexta-feira, 2 de maio de 1997
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Book TV, a solução do rock'n'roll literário

MEGHAN DAUM
ESPECIAL PARA O "NYT BOOK REVIEW"

Os concertos de rock estão fora de moda. As palestras estão em voga. Qualquer um que tenha assistido a um pouco de "MTV Unplugged" antes de sair para o café mais próximo para ouvir uma palestra literária pode dizer que agora os maiores representantes do rock'n'roll são os escritores, e não os astros do rock.
Para eles, a palestra é uma performance acústica na guitarra virtual que é o seu manuscrito.
Eles podem gaguejar durante a introdução e passar as mãos no cabelo. Podem usar roupas pouco formais, levar seu drinque para o palco e beber uns goles enquanto viram as páginas.
Se tiverem algum atrativo, o final é uma apoteose. As garotas desmaiam e têm de ser carregadas em macas. Os empresários brigam para conseguir conquistá-los.
Considerando tudo isso, eu proponho a criação de um novo canal de TV paga, a BTV (Book Television), que dará aos escritores a oportunidade de se apresentar durante três minutos e promover seus últimos lançamentos.
Que oportunidade perfeita para um escritor que realmente preferiria ser um virtuoso da guitarra elétrica!
Que grande desculpa para o mercado editorial imitar a indústria do entretenimento e discriminar os artistas cujo sex-appeal não preenche os requisitos do público-alvo!
E o melhor de tudo, os fãs da literatura não mais terão de suportar palestras presunçosas nas livrarias, com escritores chatos, que falam aos berros, para não mencionar o agonizante silêncio após a palestra, quando o autor diz: "Chegou a hora das perguntas".
A BTV eliminará tudo isso. Pela primeira vez na história, a boa literatura poderá ser desfrutada na privacidade de sua própria sala de estar, sem mesmo precisar abrir um livro.
Este é o conceito: o Jovem Escritor Promissor confia seu manuscrito aos executivos da BTV, que irão selecionar as passagens mais emocionantes e transformá-las em uma espécie de novela para a TV.
Depois, o Jovem Escritor Promissor participa de uma série de reuniões, para determinar qual o tipo de imagem que ele deve projetar para melhor transmitir as emoções contidas em seu livro.
Questão de estilo
O autor é um tipo sorumbático, viciado ou alcoólatra em recuperação, filho de celebridades, cujo estilo "noir nova-iorquino" serve como metáfora para a angústia deste "fin de siècle"?
Ou ele é o tipo de autor de literatura descartável, uma mistura do conjunto musical B-52's com seriado de TV?
Independente de seu estilo, a BTV irá enviá-lo para um diretor que tem a mesma visão que a sua, que fala a sua linguagem, que irá promovê-lo de tal maneira que ele passe a ser tão misterioso quanto um ídolo de adolescentes e que deixará sua prosa compreensível o suficiente para que as pessoas talvez acabem comprando seu livro.
Então, lá está ele, o Jovem Escritor Promissor, vestindo calças de plástico e uma camisa estampada, com gel nos cabelos.
O que ele faz exatamente não é ler seu livro, apenas faz citações: "Era uma noite escura e tempestuosa, no-noite, escura e tempestuosa, tem-tempestuosa!".
Um sintetizador fornece o fundo musical perfeito, e lindas ninfetas de óculos rodopiam ao som da sua prosa, lambendo suas orelhas e repetindo as suas frases mais ressonantes.
Depois de três minutos, elas desaparecem, e o nome do Jovem Escritor Promissor, juntamente com o título do livro e o nome da editora, aparecem no canto da tela.
Uma atraente BJ (book jockey) vestindo um top e usando pequenos óculos de aro de tartaruga aparece ao vivo no estúdio da BTV, que é decorado de modo a parecer o café do seriado "Friends".
"Este foi Wallace Shambles Boloo, lendo o seu novo romance, 'Confusão Indefinida'", diz ela, tomando seu café descafeinado com leite desnatado numa caneca com o logotipo da BTV.
Clássicos de bolso
"As pessoas têm medo de andar nas vias expressas de Los Angeles", diz Bret Easton Ellis, na primeira linha de seu primeiro romance, "Abaixo de Zero".
Suas vídeo-garotas estão de salto 7,5 e vestem terninhos de plástico. "As pessoas têm meeedo!", cantam elas.
Há uma reconstituição de estupro, que dura 45 segundos (na verdade, pertence a um romance posterior, mas que tem tudo a ver), muito bem filmado em preto-e-branco.
Durante todo o evento, Brett se mantém firme no microfone, narrando a cena e parando para acender um cigarro entre os parágrafo.
Tomada aérea da paisagem noturna de Los Angeles, mostrando telhados e os faróis dos carros.
Voltamos para Brett, que olha perversamente para a câmera. Os telespectadores, em casa, sentem saudades dos anos 80. Eles talvez até saiam de casa para comprar o livro. Ou talvez até verão o vídeo seguinte.
Meu Deus do céu! É algo mais antigo ainda. "Ulisses!" Alguma produtora intrometida da BTV meteu na cabeça que iria fazer vídeos dos clássicos e ficou batendo pé insistentemente na diretoria durante meses para conseguir isso. O resultado são três minutos de um dia na vida de Leopold Bloom, gravado no Hell's Kitchen de Manhattan, pois não havia verba o suficiente para gravar em Dublin.
E como o velho Jimmy J. não está disponível para aparecer pessoalmente no vídeo (mesmo se estivesse, ninguém tem certeza de que ele teria a aparência necessária para isso), a BTV chamou uma "figura em ascensão" (ele fez uma ponta no "The Brothers McMullan") para representar o autor.
Ele veste calças xadrez e um blusão de moletom com capuz e zíper (muito no estilo "Trainspotting", que é escocês, mas que já serve). Ele mantém o capuz sobre a cabeça em homenagem a Tupac Shakur.
"Vem cá, rapaz. Venha cá, seu jesuíta estúpido!", diz ele. "Meu nome também é absurdo, Malachi Mulligan, com dois l." Um trio de garotas irlandesas de pernas compridas dançam atrás dele. Elas vestem uniforme de chefe de torcida com a palavra "Sereia" bordada no blusão.
Depois, em uma transição sem emendas da página um do livro até o último capítulo, o ator que representa Joyce começa o monólogo de Molly Bloom que, como determinado pela BTV, é a única parte interessante do livro, que irá atrair os telespectadores.
"Eu o abracei, sim, e o puxei para mim, para que ele pudesse sentir os meus seios e o meu perfume, sim, e seu coração batia rápido", declama a Figura em Ascensão.
"É isso aí", exclamam as garotas-sereia. "Foi o que eu falei!", grita a Figura em Ascensão.
Programa para todos
A Book TV terá algo para todos. Estamos falando de uma programação de qualidade. Estamos falando de um mercado já existente.
Se as pessoas de todo o país estão predispostas a fugir do lugar-comum para ouvir escritores mal vestidos e despenteados jogar conversa fora por meia hora ou mais, certamente haverá público para essa versão de evento literário mais curto, acessível e realista.
É o amanhecer de um novo dia, que nos mostra o casamento da editora S.I. Newhouse com o poder de Ted Turner e os múltiplos nascimentos de seus precoces e fotogênicos filhos. Que bela escolha...

Tradução de Maria Carbajal

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