São Paulo, sexta-feira, 2 de maio de 1997
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Os pais da pátria

ROGER ERBERT
DO "NYT BOOK REVIEW"

Na introdução de seu novo livro, "Who Did The Movie" (Quem Fez o Filme), recém-lançado nos Estados Unidos pela Alfred A. Knopf, o cineasta norte-americano Peter Bogdanovich lembra Orson Welles dizendo: "Você me falou sobre todos esses velhos diretores... As pessoas em Hollywood dizem que eles já estão com um pé na cova e isso me deixa tão doente que me tira o sono".
Não deixa de ser uma virtude que Bodganovich -mesmo no auge de sua carreira, nos anos 70, quando "A Última Sessão de Cinema" recebeu oito indicações para o Oscar e "O Que É Que Há, Gatinha?" era um sucesso- tivesse uma imensa admiração pelos "velhos diretores" e fosse praticamente a única figura ativa da indústria cinematográfica que ainda os procurasse.
Estamos falando de um livro extremamente valioso, uma coletânea de entrevistas feitas por Bodganovich, a partir de 1960, com 16 grandes diretores de Hollywood.
Para muitos deles, era a última oportunidade de dizer alguma coisa: Leo McCarey estava morrendo de enfisema, Raoul Walsh e Fritz Lang estavam cegos e Alfred Hitchcock estava quase no fim e bebendo muito.
Bodganovich conta tudo: história, técnica, fofoca, pequenos detalhes. Este livro é também um tipo de autobiografia: por ele ficamos sabendo do fichário que Bodganovich manteve dos 12 anos aos 30 anos, e no qual havia 3.661 filmes registrados -1.044 ele tinha assistido pelo menos duas vezes.
A indústria cinematográfica é tão nova que até pouco tempo atrás havia pessoas que se lembravam das suas origens.
Allan Swan, nascido em 1885 -o mais velho dos diretores citados no livro- inventou as lâmpadas de vapor de mercúrio que substituíram os arcos e suas nuvens de pó de carvão.
Ele se lembra de precisar filmar enquanto se escondia das patrulhas dos concorrentes. "Eles enviavam atiradores com rifles de longo alcance", contou Dwan a Bodganovich, "mas nunca mataram ninguém. Eles sempre disparavam contra as câmeras".
Os outros personagens de Bodganovich também querem garantir seu lugar na história. "Você sabia que eu inventei a contagem regressiva?", perguntou Fritz Lang.
Segundo ele conta, ao filmar o lançamento de um foguete em "Woman in the Moon", percebeu que "se contasse um, dois, três, quatro... o público nunca saberia quando o foguete ia sair. Mas e se eu fizesse uma contagem retroativa... cinco, quatro, três, dois, um, zero!, saberiam o momento exato da saída".
Temos também Leo McCarey, que dirigiu pelo menos 100 filmes do Gordo e o Magro e que respondendo a uma das perguntas de Bodganovich, se ele moldava os artistas, declara: "Acho que em grande parte tudo isso é obra minha, mas, como eu sou modesto, não vou dizer que fui eu quem os fez ser o que são".
Na história mais estranha do livro, McCarey conta como inventou um fim para o filme "My Son John". O astro do filme, Robert Walker, tinha gravado um longo discurso no sábado e depois morreu durante o fim-de-semana.
A fita permitiu que McCarey terminasse o filme, fazendo com que a personagem de Walker dissesse ao FBI "estou indo para aí com a gravação de uma confissão". A seguir McCarey escreveu uma cena de morte e pediu ajuda a Alfred Hitchcock.
Este achou uma cena de "Pacto Sinistro" mostrando Walker morto embaixo de um carrossel; McCarey tirou o carrossel e adaptou o fotograma a um acidente de táxi. O filme, lembra ele alegremente, recebeu uma indicação ao Oscar de melhor roteiro.
No início, os atores de cinema eram, em sua maioria, artistas que tinham falhado em outras partes. "Nenhum ator de renome queria trabalhar conosco no começo", lembra Dwan. Mas os filmes logo transformaram atores em estrelas.
"É interessante perceber que as maiores estrelas do cinema surgiram durante uma época em que elas mesmas não tinham nada a falar sobre o que tinham feito", diz Howard Hawks a Bodganovich.
Hitchcok era famoso por desenhar em storyboard todas as cenas, sem consultar os atores. "Eu não gostava de trabalhar com Montgomery Clift... Uma vez, lhe pedi para olhar para cima, de forma que eu pudesse seguir o seu olhar para o prédio do outro lado da rua. E ele disse: "'Não sei se eu vou fazer isso'. Imagine só".
O livro inclui relatos em primeira pessoa de famosas anedotas de Hollywood. Raoul Walsh conta que roubou o cadáver de John Barrymore do necrotério e o colocou no sofá da casa de Errol Flynn, que o encontrou lá quando chegou bêbado em casa.
Algumas das mais angustiantes histórias do livro incluem grandes filmes que quase foram perdidos. Hitchcock fala da idéia de O. Selznick para a última cena de "Rebecca": "Ele queria a casa em chamas e que a fumaça formasse a letra R". E Otto Preminger lembra como Darryl F. Zanuck modificou o fim de "Laura", até que o próprio Walter Winchell, imagine, interveio para que ficasse como era antes.
Muitos leitores podem não ter ouvido falar de muitos dos filmes comentados, mas a histórias valem por si mesmas. Constituem a história oral de uma expressão artística feita com pragmatismo, experimentação, instinto e sorte.
Por trás de tudo isso, está a alma do diretor. Como Howard Hawks diz a Bogdanovich sobre seus diretores prediletos: "Eu gostava de qualquer um que fizesse você perguntar: quem é que fez o filme?".

Livro: Who Did The Movie?
Autor: Peter Bodganovich
Preço: US$ 39,95 (847 págs.)

Tradução de Maria Carbajal

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