São Paulo, sexta-feira, 2 de maio de 1997
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Polêmica em torno de 'O Velho' continua

Documentário fabrica uma história

ANITA LEOCADIA PRESTES
ESPECIAL PARA A FOLHA

A respeito do filme "O Velho - A História de Luiz Carlos Prestes", premiado no festival "É Tudo Verdade", torna-se necessário alertar os seus prováveis espectadores para a necessidade de adotar uma postura crítica diante de tal filme, paradoxalmente incluído numa mostra que, pela sua sugestiva denominação, pretendia retratar a verdade.
Embora Venturi tenha afirmado que não pretende fazer história, mas somente cinema (Ilustrada, 23/04/97), ao produzir um documentário sobre um personagem histórico como Luiz Carlos Prestes está, na realidade, fazendo história e levando aos espectadores uma determinada versão dela.
Gostaria de esclarecer o público que o referido filme não só está repleto de erros factuais grosseiros, revelando de parte de seus autores um total desconhecimento da história da época e, em particular, da vida de Prestes, como incorre em graves distorções em relação ao período histórico retratado.
Na verdade, o que se percebe é a repetição de conhecidas calúnias e inverdades, que a direita sempre lançou contra os comunistas e, em especial, contra Prestes.
Como seria possível concordar com o júri quando afirma que o filme premiado retratou com fidelidade a história do Cavaleiro da Esperança, se, a cada passo do filme, nos deparamos com erros imperdoáveis?
O célebre Manifesto de Maio de 1930, lançado por Prestes em Buenos Aires, foi parar no mês de julho. A foto de Clotilde Prestes é mostrada como sendo de sua mãe, Leocadia Prestes. Os acontecimentos de 1930, quando Prestes rompeu com os "tenentes" (e não com Vargas, como se diz no filme), estão invertidos em sua ordem cronológica. O general Miguel Costa é citado como chefe da revolta tenentista de 1924 e como presidente da Aliança Nacional Libertadora em 1935, o que, em ambos os casos, não corresponde à realidade.
Afirma-se que Prestes não teria sabido, na prisão, do falecimento da mãe, o que também não é verdade. Omite-se a intensa atividade desenvolvida por Prestes na Europa durante os anos 70, criando uma imagem deturpada de sua vida política nesse período.
Trata-se, pois, de uma sucessão de deturpações grosseiras da vida de Prestes, assim como do período em que ele atuou.
Mais uma vez são repetidos estereótipos criados pela direita e consagrados pela história oficial sobre a Intentona Comunista -movimento de caráter antifascista, antiimperialista e antilatifundista-, que jamais pretendeu implantar o comunismo no Brasil, conforme versão dos donos do poder.
Mais uma vez repetem-se as calúnias contra os comunistas e, em particular, contra Luiz Carlos e Olga Benário Prestes, de que seriam meros "agentes de Moscou", empenhados em deflagrar uma revolução comunista no Brasil, total deturpação do caráter das relações entre os partidos comunistas no seio da Internacional Comunista.
Lamentavelmente, tanto os autores do documentário quanto os membros do júri revelaram total desprezo pela verdade.
Ao incluir o documentário na mostra, e, mais ainda, ao premiá-lo, os organizadores do festival e o seu júri estão, na prática, contribuindo para que os estereótipos fartamente propalados pelo anticomunismo dos tempos da Guerra Fria continuem presentes.
Com o filme "O Velho", temos mais um exemplo edificante de como se fabrica e se difunde a história oficial -aquela que contribui para assegurar a hegemonia dos donos do poder-, num período de avanço da chamada "globalização", ou seja, de derrota, no cenário internacional, das forças alinhadas com a perspectiva socialista e de progresso e justiça social.
Para quem se interessa seja pela história do Brasil seja pela vida de Luiz Carlos Prestes, parece oportuno lembrar estas questões.

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