São Paulo, sexta-feira, 2 de maio de 1997
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Polêmica em torno de 'O Velho' continua

Leocádia diz 'não' irresponsável
TONI VENTURI
DI MORETTI

TONI VENTURI; DI MORETTI
ESPECIAL PARA A FOLHA

A historiadora Anita Leocádia Prestes, em entrevista à Ilustrada de 23 de abril, expressa uma série de opiniões pessoais carregadas de velhos jargões contra o filme "O Velho, A História de Luiz Carlos Prestes" -prêmio de melhor filme Brasileiro em "É Tudo Verdade- 2º Festival Internacional de Documentários".
Ela e suas tias Eloyza e Lygia têm todo o direito de acharem o que quiserem sobre o filme. Afinal, construímos um painel multifacetado sobre este polêmico personagem de nossa história.
Elas, por exemplo, acham o filme anti-Prestes, de direita, enquanto outros sentem que a película possui uma "oceânica" simpatia pelo "Cavaleiro da Esperança". Agora tenho certeza de que acertamos. Construímos uma biografia complexa, tridimensional, que exige do espectador suas próprias conclusões.
Anita também diz que o filme contém "erros históricos grosseiros". Por exemplo, a troca de uma foto de sua tia Clotilde por sua avó Leocádia.
Classificamos mais de 700 fotos inéditas ou perdidas nos empoeirados arquivos do país, recontamos, sinteticamente, 70 anos da história do Brasil... não somos infalíveis!
Em prol da narrativa cinematográfica, tivemos que fazer duras opções, dentre elas não mencionar o nome do General Isidoro Dias Lopes no episódio da rebelião tenentista, em São Paulo, em 1924. Muitos outros personagens também tiveram que ser sacrificados.
Cinema não é aula de história. Não pode ser chato. Por exemplo, narrar a importância do manifesto de maio de 1930, onde Prestes declara ao mundo sua adesão ao marxismo, e mostrar o pergaminho de julho de 30 -porque tivemos acesso ao documento original- chama-se licença poética e não erro!
O que realmente é importante é a verdade dos fatos. Quando consultamos e convidamos Anita para participar do projeto, no primeiro semestre de 95, ela expressou seu total desacordo com a proposta do documentário.
Viu tudo pelo viés ideológico da guerra fria. Desmereceu totalmente a lista de historiadores, políticos e amigos de Prestes que pensávamos entrevistar.
Pedimos a Anita sugestões de personalidades que poderiam falar sobre a trajetória do Velho. Ela foi taxativa: "Hoje, não há ninguém vivo com a estatura política ou histórica capaz de analisar e comentar a vida de meu pai... os amigos também estão todos mortos".
E, para arrematar o assunto, foi além: "nem Fellini poderia fazer um filme sobre Prestes". Humildemente, agradecemos o café que nos havia sido servido, nos despedimos e fomos embora.
Sua afirmação de que nos deu uma lista de sugestões para o roteiro é pura mentira. Foi assim, laconicamente, como terminou nossa frustrada tentativa de obter o importante depoimento da filha de Olga e Prestes. Para nós foi um "não" irresponsável.
O filme não foi feito para cristalizar o mito Prestes. Às vezes é duro e crítico sobre seus equívocos.
É nossa contribuição para a história não oficial do Brasil e da esquerda nacional.
Luiz Carlos Prestes é um patrimônio do povo brasileiro, que precisa ser conhecido pelas novas gerações e receber a devida homenagem por sua luta por um mundo mais justo.
Prestes não é propriedade particular de alguns que evitam discuti-lo.
Alguém que teve como herança a preocupação com o coletivo não deveria defender interesses assim tão particulares. O julgamento final nunca será nosso, ele pertence ao público que assistirá ao filme, que estreou ontem.

Toni Venturi é diretor de "O Velho - A História de Luiz Carlos Prestes"; Di Moretti é roteirista do mesmo filme

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