São Paulo, domingo, 4 de maio de 1997
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Os dois tempos do Plano Diretor

LUIZ CARLOS COSTA

O caráter incompleto do projeto de Plano Diretor apresentado pela Prefeitura faz ressurgir uma questão sempre recorrente nesse tipo de planejamento.
É a necessidade de se elaborar separada e sucessivamente duas partes essenciais do Plano Diretor: a) a que contém os Objetivos, Princípios e Diretrizes Gerais, básicos para marcar o sentido social, cultura e político do Plano e b) a que define as diretrizes específicas e parâmetros relativos aos instrumentos e programas que dão operacionalidade ao planejamento.
Na verdade cada uma destas partes corresponde a um tipo de decisão institucionalizável e a requisitos diferentes para sua elaboração.
Na primeira parte o importante será delinear e legitimar uma estratégia geral de desenvolvimento urbano, pela qual a sociedade, através da ação planejada do Estado se propõe a intervir estrategicamente no processo urbano de forma a realizar em um prazo definido determinados objetivos chave.
Dentre estes, os de superar problemas crônicos sem perspectivas de solução pelos mecanismos de mercado ou pela ação pública corrente. Para tanto é preciso definir os Objetivos que serão considerados absolutamente prevalentes numa próxima etapa histórica de desenvolvimento da cidade, notadamente os situados no campo social, econômico e ambiental, bem como os objetivos de transformação do processo de produção e estruturação do espaço urbano, envolvendo alterações de sua evolução física e ocupação.
Mais ainda, é preciso traçar as Diretrizes Gerais que explicitem a estratégia que se pretende utilizar para concretizar os Objetivos escolhidos, no quadro de limitações existentes e previstas para a economia e para o poder público.
É uma estratégia que implicará na definição de novos paradigmas para o desenvolvimento urbano, podendo envolver nova repartição social de benefícios e custos da urbanização e novas formas de vinculação da ação pública e privada, cabendo-lhe ainda a tarefa constitucional de definir a função social da propriedade urbana.
Obviamente um plano com esse conteúdo, só se legitimará o suficiente para tornar-se efetivo se reunir todas as forças sociais envolvidas no processo urbano e puder construir um novo pacto social ao nível político mais alto. É o que permitirá definir o patamar de princípios e exigências a que se subordinarão todos os trabalhos subsequentes.
Na segunda parte da elaboração do Plano é onde caberá realizar os estudos técnicos e as gestões político-administrativas ao conjunto de suas proposições práticas, aí se cuidará por exemplo da construção de modelos de simulação de tráfego e uso do solo que terão de traduzir em termos quantitativos qual o atendimento da demanda viabilizando pelas diferentes hipóteses de sistemas viários e de transportes coletivos comprovadamente possíveis de serem implantados no período considerados os recursos financeiros e operacionais passíveis de serem mobilizados em todos os níveis de governo.
Igualmente caberá definir os programas e instrumentos de importância estratégica que, em cada política pública enfeixada no Plano, passarão a subordinar a ação das várias administrações que se sucederão no período planejado. Isso tudo aponta para uma tarefa de grande envergadura em que as gestões técnicas e políticas exigirão tempo suficiente e procedimentos especiais e na qual o acompanhamento da sociedade civil e da opinião pública terá de exercer-se de forma adequada para permitir fiscalizar sua coerência com o acordado na primeira parte do Plano.
Pretender reduzir ambas as fases, a uma só seria a nosso ver atropelar lógica e politicamente o processo de produção do Plano, inviabilizando o controle pela sociedade das decisões interdependentes que fatalmente irão sendo tomadas.
Pior ainda significaria criar a possibilidade das instâncias setoriais, únicas tecnicamente capazes de formular imediatamente programas operacionais, acabarem por decidir soberanamente sobre as ações a desenvolver, orientadas apenas por sua visão parcelar da cidade e por seus compromissos com as corporações e grupos econômicos dos quais seu desempenho tem tradicionalmente dependido.

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