São Paulo, terça-feira, 6 de maio de 1997
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A violência como norma

JANIO DE FREITAS

Mesmo que debitado na conta de um desequilíbrio crescente, e não de propósitos pessoais, o ataque de Sérgio Motta aos juristas que recorreram contra as condições do leilão da Vale, por ele identificados com a corrupção, transpõe todos os limites toleráveis da exaltação e consagra a violência fascistóide como norma do núcleo do governo no trato com a divergência democrática e legal.
A acusação a d. Luciano Mendes de Almeida, por sua crítica ao processo privatizante da Vale, da inconfessada intenção de continuar ganhando "a sua grana", já descera as sempre baixas reações do fernandismo ao nível do absurdo. Por piedade cristã, pode-se supor, d. Luciano não quis aproveitar a menção a recebimento de "grana" para uma resposta de interesse e alcance nacionais. Cá de fora, a acusação também mereceu a tolerância devida a um excesso involuntário do desequilíbrio raivoso. Não foi só isso, vê-se agora. No relato da repórter Cristina Canas, aparentemente só publicado pelo "Globo" de sábado, embora fossem declarações públicas em São Paulo, Sérgio Motta definiu os juristas como "oportunistas a serviço dos grandes fornecedores e empreiteiros, da corrupção organizada e da corporação". E ainda: "Pelegos que ganham dinheiro do povo": "É a corrupção organizada que se aproveita das grandes estatais para atender a seus interesses".
O texto deixou de esclarecer as circunstâncias das declarações e a que finalidade imediata serviam. A referência explícita a juristas que entraram com ações contra o leilão da Vale conduz, porém, diretamente ao grupo que entrou com uma ação vitoriosa em São Paulo. É um conjunto de eminências e integridades exemplares, como juristas e como pessoas -Celso Antônio Bandeira de Mello, Goffredo da Silva Telles, Dalmo Dallari, Fabio Konder Comparato, Eros Grau, Sérgio da Cunha, Weida Zancaner e Américo Lacombe.
Se as alturas do poder governamental e a impunidade escandalosa que o reveste já se permitem, agora, até a difamação escancarada de figuras daquela estatura -sem mencionarmos outras pessoas honradas que ousaram, também, recorrer à lei contra um malcheiroso negócio do governo-, o que se pode esperar é só a extensão, com o caráter de norma, da prepotência como norma de ação e reação.
A norma, em si, já estava adotada pela maneira insultuosa a que Fernando Henrique Cardoso recorre, quando lhe faltam argumentos para contrapor-se, racionalmente, a uma crítica ou uma concepção diferente da sua. E quase sempre e em quase tudo lhe têm faltado os argumentos. A novidade não é a norma, é a plenitude que agora lhe está conferida. Novidade nem é, no caso, palavra muito própria. Já conhecemos de outra ocasiões a gradação crescente que aí está. E que quase ninguém quer ver -como em outras ocasiões. Por exemplo, ainda tão próximo, na prepotência crescente do governo Collor, até que a todos foi impossível não ver o óbvio.

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