São Paulo, terça-feira, 6 de maio de 1997
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Vale: quanto pesa?

LUÍS PAULO ROSENBERG

A Vale sempre foi a mais óbvia candidata à privatização dentre as nossas estatais. Em um setor tipicamente privado, voltada exclusivamente para a exportação -sem interação relevante, portanto, com os demais setores da economia brasileira-, competitiva e globalizada, no caso da Vale, a dúvida não deveria ser se deve-se privatizá-la ou não, mas sim por que nasceu estatal.
Tal constatação se faz para realçar a incompetência governamental constatada na condução do processo e que nos trouxe a este enrosco surrealista.
Em destaque, a mesma arrogância que, há poucos dias, levou FHC a subestimar os sem-terra e a ser humilhado pela força do movimento deles esteve presente em tudo o que fizeram e disseram os condutores da privatização da Vale.
De fato, a determinação dos opositores à venda deveria ter gerado no governo empenho e mobilização similares, e não apenas as declarações de desprezo pela estupidez dos que divergiam da posição oficial.
Desqualificar a legitimidade da postura adversária, mobilizar 120 advogados como tropa de choque intimidatória e agredir o Judiciário são técnicas diversionistas que mais atraem apoio à bandeira da estatização do que conquistam suporte para a causa da modernização.
Se o ritual da nossa Justiça deixa espaço para o pipocar de liminares por esta Pindorama afora, FHC deveria fazer autocrítica por não se ter envolvido na aprovação da reforma do Judiciário tanto quanto na causa da reeleição.
Isso jamais pode servir de pretexto para atacar um Poder cujo papel é fazer cumprir a lei da terra, por mais imperfeita que seja, assegurando-nos, assim, a liberdade democrática de jamais termos que lecionar na Sorbonne para fugir do arbítrio e livrando-nos de Fujimoris enrustidos.
Mas há dois outros aspectos da privatização da Vale que merecem ponderação.
O primeiro é a incapacidade de atrair mais grupos estrangeiros para o leilão revelada pela estratégia de privatização do BNDES. Afinal, se a Vale é tão atraente, por que tão poucos interessados? Por que o BNDES não conseguiu atrair o mesmo nível de concorrentes que acorreram à privatização da telefonia celular?
Note-se que não são meras questões de retórica. Há três possíveis explicações: houve inadequação no processo de privatização e os potenciais interessados não foram devidamente seduzidos. Havia interesse em que a Vale acabasse nas mãos dos mesmos grupos nacionais de sempre. Ou então a empresa não é tão promissora quanto se alardeia.
De qualquer forma, um leilão mais parecido com uma ação entre amigos coloca a questão do preço mínimo em relevo.
Realmente, se a concorrência fosse acirrada, o preço da venda ficaria bem acima do mínimo fixado, que se tornaria mero referencial inicial. Mas, se o embate limitar-se a dois grupos, é provável que o preço final fique muito próximo do mínimo, alimentando a tese de que se está vendendo a Vale a preço de banana.
O outro aspecto obscuro é a imposição, pelo BNDES, da exigência de só transferir o controle se for para um grupo econômico.
A Vale teria sido uma oportunidade ímpar de fazer uma privatização pulverizada, democrática e sem dirigismo. Bastaria reconhecer que a empresa tem crédito próprio, não dependendo de avais de controladores para crescer até onde seu potencial sinalizasse.
Poderia ter sido a primeira estatal a transformar-se em "corporation", sem dono, com gestão contratada dentre o que de melhor existisse e comandada pelos milhares de acionistas que se manifestariam por meio da assembléia geral.
Se todos os interessados, grandes ou pequenos, pudessem partilhar do privilégio de ser donos da Vale, ainda mais vendendo perto do preço mínimo, teria sido uma postura governamental lógica e que teria feito a privatização mais palatável por núcleos que procuraram obstaculizar a venda.

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