São Paulo, terça-feira, 6 de maio de 1997
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Técnico dirige o mesmo time há 41 anos

MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A MANAUS

Num país que vive com boatos permanentes de reforma ministerial e onde técnicos de futebol chegam a ser demitidos na primeira derrota, o treinador Amadeu Teixeira alcançou uma estabilidade inusitada: há 41 anos, sem interrupção, ele dirige o América Futebol Clube, de Manaus.
Teixeira ostenta recordes de sobrevivência. Assumiu a equipe em 1956 e só foi conquistar o primeiro título em 1994. O jejum de 38 anos não foi suficiente para derrubá-lo.
Aos 70 anos de idade, ele não treina apenas o time profissional, mas também os infantis e juniores do América, o "Diabo Rubro" amazonense fundado em 1939 com as cores vermelha e branca, como seu inspirador e homônimo carioca.
Teixeira acha que a fórmula da longevidade dá certo -se não for o recordista mundial de permanência no cargo, está perto. Ao conversar com o treinador que o clube contratou para formar sua equipe de handebol, exigiu:
"Você precisa ter um trabalho contínuo. Não é para começar hoje e deixar amanhã. Não quero que fique só meia dúzia de anos."
"Seu Amadeu", como é tratado pelos jogadores, é mais do que técnico. A sede do clube fica numa pequena sala da sua casa, e ele o representa no tribunal da Federação Amazonense de Futebol, embora não seja advogado.
Apesar de ter sido, aos 13 anos, um dos fundadores do América, nunca o presidiu -o posto ficava com um irmão.
Como este afastou-se, o homem-forte agora é Teixeira, formalmente o vice de Futebol.
Religião
Ele não recebe um tostão pelo trabalho, pelo contrário -todo mês separa uma parte dos seus vencimentos de funcionário da Prefeitura de Manaus, ainda na ativa, para tapar buracos financeiros do clube.
Desde junho de 1996 a equipe profissional está parada -ela joga três meses por ano, no Campeonato Estadual, que deve começar no segundo semestre. Nos outros meses, inexiste competição.
Quando há futebol, cada atleta ganha um salário mínimo mensal, em contratos que concedem passe livre ao final.
"Nunca vendemos nem nunca compramos um jogador", diz Amadeu Teixeira.
Ele assegura ter desapego ao poder. "Não convido alguém para treinar aqui porque ninguém quer trabalhar de graça. Vou levando o barco até as coisas melhorarem."
Teixeira afirma ter ficado no América porque quis. Ele recebeu convites do Fast e do Olímpico, mas preferiu ficar "em casa".
Sua devoção pelo clube é tão grande que até o vigário da Catedral Nossa Senhora da Conceição entende suas ausências.
"Ele sabe que eu, mesmo sendo da Irmandade do Santíssimo Sacramento, às vezes falto às missas de domingo por ter duas religiões: a católica e o América."
Em seus 41 anos no banco de reservas, foi mudando de comportamento. Em 1994, a mulher de um zagueiro telefonou-lhe denunciando que o marido estava bebendo num bar.
Boate
Era sábado à noite, e a equipe jogaria domingo. O jogador levou uma dura do técnico e foi levado de volta para casa. "Já dei muita incerta em boate para flagrar atleta", conta Teixeira.
Hoje, mudado, ele se diz opositor da concentração obrigatória nas vésperas das partidas. "Se alguém é irresponsável, é melhor fazer outra coisa. Cada um tem que responder por seus atos."
Para Teixeira, a rotatividade imensa de treinadores no Brasil não ocorre por causa de deficiência deles, mas dos dirigentes.
"Veja o caso do Júnior, que o Flamengo foi buscar, até demiti-lo há poucas semanas. Quando você convida alguém para ir à sua casa, é porque você conhece a pessoa. Como vai mandá-la embora?"
Nos últimos anos, o técnico foi também dirigente. Enquanto o diretor Amadeu Teixeira não cismar em demitir o técnico Amadeu Teixeira, este prosseguirá batendo seus próprios recordes.

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