São Paulo, terça-feira, 6 de maio de 1997 |
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CULTURA DEMOCRÁTICA Além das reformas já programadas, o Brasil precisa urgentemente reformular a sua cultura política. Anos de autoritarismo, seguidos de balbúrdia político-institucional, enraizaram vícios que sobreviveram ao restabelecimento da democracia. Durante o período militar, a oposição recusava ao governo qualquer tipo de reconhecimento, por um motivo compreensível: os governos militares eram ilegítimos desde a origem. Logo, no raciocínio oposicionista, tudo o que fizessem os governantes da época deveria ser, obrigatoriamente, desqualificado. Já os governantes confundiam exageradamente oposição com subversão. Reagiam a qualquer crítica, por mais legítima que fosse, como uma manobra do onipresente "comunismo internacional". O restabelecimento da democracia não foi capaz de alterar esse padrão de conduta. Basta lembrar que a oposição desqualificou o governo José Sarney com base no pressuposto de que era igualmente ilegítimo por ter sido produto de um colégio eleitoral indireto, além de ser apenas o vice e não o titular da chapa então eleita. Já o então presidente Fernando Collor reagiu ao processo de impeachment acusando a oposição de buscar, na verdade, um "terceiro turno", ou seja, uma revanche contra a derrota eleitoral, como se fosse ilegítimo recorrer aos canais institucionais contra um governante pelo fato de a sua eleição ter sido democrática. O país vive hoje o segundo período em que há, de um lado, um presidente legitimamente eleito e, de outro, uma oposição também legitimada pelas urnas, que não precisa recorrer à clandestinidade e conta, ainda, com todas as tribunas institucionais para se manifestar. Não obstante, a escalada verbal de parte a parte, nos últimos meses, mostra que a tendência a recorrer à desqualificação do adversário sobreviveu, quase intacta. Como se, ainda hoje, governo e oposição fossem inimigos e não apenas adversários, ao contrário do que manda a praxe de uma cultura realmente democrática. Próximo Texto: O COMEÇO DO TÚNEL Índice |
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