São Paulo, terça-feira, 6 de maio de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A miséria da educação

VINICIUS TORRES FREIRE
A maldição do economismo contaminou profundamente as discussões sobre educação. Da direita à esquerda tornou-se hábito frisar quase apenas que o sucesso econômico de um país depende do investimento na escola, relação relembrada na recente edição da "The Economist" que descrevia os resultados de um teste ao qual foram submetidos estudantes de 41 países. O título da capa da revista britânica: "Educação e a riqueza das nações".
Especialistas e a revista avaliaram que número de alunos por classe, horas de aula e gastos por estudante parecem não determinar os resultados de cada país. Mais importante seriam os métodos de ensino utilizados pelos professores. Conclusão da "Economist": os até hoje protegidos mestres-escolas também devem se sujeitar à competição global, da qual ninguém escapa, para melhorar o desempenho.
A escola se transforma de vez em fator de redução de custo do capital. A educação precisa cumprir sua parte no esforço da guerra econômica da mundialização e também deve se curvar ao mercado. Há 50 anos, o filósofo Theodor Adorno observava deprimido a transformação de todas as esferas da vida em mera mercadoria. Antigamente as coisas eram piores, mas foram piorando (frase de Paulo Mendes Campos). Agora é a vez da educação. Ela jamais foi livre, mas, de uma vez por todas, o capital decidiu que aí ainda havia muito espaço para respirar.
Alguém pode observar que essa lamentação é muito filosófica num país tão analfabeto como o Brasil -a crítica da transformação da escola em fábrica de capacitação para o trabalho globalizado ainda seria um luxo por aqui. Quem dera tivéssemos escolas competitivas. Mas, então, se a filosofia está demais, seria bom civilizar o debate com um pouco de sociologia.
Educação é hoje assunto de contadores. Parece óbvio: o Tesouro público é pobre. Para piorar, o Estado já gasta o que pode e, por incrível que pareça, os professores ganham salários compatíveis com o que o mercado paga para pessoas da mesma formação. Pelo menos é o que indica um bom estudo do consultor João Batista Araujo e Oliveira para o Conselho dos Secretários Estaduais de Educação.
Aparentemente, o possível está sendo feito. Porém, o possível é conservador -é determinado pelo mercado. A realidade de um mercado miserável implica que se paguem a professores, que deveriam ser pelo menos pequenos intelectuais, salários que não permitem a assinatura de um jornal.
É certo que o dinheiro não vai brotar e que contracheques mais gordos não transmutam alguém automaticamente em bom professor. É preciso também avaliação, treinamento e debate público sobre o que está sendo ensinado, o que inexiste. E, de novo, é preciso dinheiro. Se ele não está nos cofres das escolas, é preciso levá-lo para lá: distribuir renda, é disso que se trata.
É difícil imaginar que isso seja aceito tranquilamente por uma sociedade elitista e analfabeta. A classe média, a maior parte da elite, além de grossa e iletrada, teria a perder se política e cidadania temperassem o debate sobre educação, no qual falta conteúdo pedagógico e sobra economismo "realista". A discussão sobre recursos é incontornável, óbvio. Mas existem outros meios de pagar a conta da escola se a sociedade for pelo menos um pouco outra, menos injusta.

Vinicius Torres Freire é editor de Opinião da Folha. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de André Lara Resende, que escreve às terças-feiras nesta coluna.

Texto Anterior: Corrupção organizada
Próximo Texto: Reformas: até quando o país pode esperar?
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.