São Paulo, domingo, 11 de maio de 1997
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Boa espera; Os Mosqueteiros; Degola astuta; Curso Madame Natasha de piano e português; Não tem jeito; Marcello Alencar lança o pró-matilha; O professor achou dois esqueletos da ditadura; Buarque quer uma grande prévia no PT; Jacob Frankel; Questão de lógica; Fogueira social

ELIO GASPARI

Boa espera
É provável que o Ministério da Justiça continue vago até o fim do mês. Essa boa espera deverá fazer com que a nomeação do novo ministro dos Transportes também seja adiada.

Os Mosqueteiros
FFHH disse a seguinte frase durante uma conversa noturna no Alvorada:
- Eu governo o Brasil com 50 pessoas.

Degola astuta
O ministro Antonio Kandir ("austeridade, austeridade, austeridade") está de faca na mão, correndo atrás do superintendente da Zona Franca de Manaus, Mauro Ricardo Machado da Costa.
O que ele fez de errado para ter a cabeça cortada, nem Kandir, nem o governador Amazonino Mendes, muito menos o senador Gilberto Miranda (donos da faca) têm a gentileza de informar ao público.
O que fez de certo?
Acabou com a sopa da doação de terrenos no Distrito Industrial de Manaus.
Fechou duas falcatruas que fingiam fabricar aparelhos de jet-ski e descredenciou 70 empresas.
Exigiu que até junho próximo as empresas da Zona Franca obtenham certificados de qualidade ISO 9000.
Ligou a Zona Franca à rede de computadores da Receita Federal.
Baixou os custos da Suframa em 28%, economizando R$ 8 milhões.
Se tudo correr bem, logo que Kandir tiver decapitado Mauro Ricardo, começará o jogo para substituí-lo por Marlênio Silveira.
Kandir, Amazonino e Miranda (os donos da caneta) serão bem-vindos se vierem a público para informar as qualidades do candidato.
Por enquanto os registros oficiais informam que ele respondeu a uma sindicância por pagamento indevido (com o ervanário da viúva) de passagens aéreas, inclusive para sua mulher.

Curso Madame Natasha de piano e português
Madame Natasha tem horror a música. É a favor de todas as privatizações, porque acredita que, quando elas acabarem, as cidades se livram dos abomináveis carros de som da militância oposicionista. Ela concedeu mais uma de suas bolsas de estudo ao desembargador Ellis Hermydio Figueira, corregedor-geral da Justiça do Rio de Janeiro pela seguinte pérola:
- Acresço aplausos merecidos à laboriosa classe dos escrivães, vanguardeiros da infra-estrutura jurisdicional. Mas não se há de deslembrar do intransponível lindeiro da autoridade hierárquica. Inadmitível se pretender a inversão dessa ordem, algemar atos rotineiros de lotação e relotação de servidores à prévia aquiescência do escrivão, como pudessem estes exercer o "poder de veto" ao que foi externado pelo juiz.
Madame acredita que o desembargador quis dizer o seguinte:
- O escrivão não deve se meter naquilo que não é de sua conta.

Não tem jeito
Um velho conhecedor das mumunhas legislativas assegura: é impossível tirar a reeleição dos governadores da emenda que a Câmara aprovou, dando a FFHH o direito de ir buscar seu segundo mandato.

Marcello Alencar lança o pró-matilha
O governador Marcello Alencar entrou para a história. Botou cachorros em cima de cidadãos que protestavam contra a venda e desmanche da Companhia Vale do Rio Doce.
Para que se avalie o que isso significa, os cachorros só fazem parte da rotina da Polícia Militar na repressão a motins de presídios. Nesses casos os policiais enfrentam bandidos eventualmente armados de estiletes, muitas vezes dispostos a morrer.
É certo que já houve casos de governadores que se valeram da cachorrada para sustentar suas opiniões políticas. Um deles foi o ex-governador da Bahia e atual deputado Roberto Santos. Ele certamente já se arrependeu de ter tentado amedrontar Ulysses Guimarães e Tancredo Neves por meio do poder canino de persuasão de seu mandarinato. (Finada a ditadura, os bichos foram para o canil, os PMs para o quartel e Roberto Santos aninhou-se no governo de Ulysses e Tancredo.)
O uso de cães, e de suas mordidas, como forma de controle de multidões é produto do casamento da prepotência dos governantes com a inépcia de suas polícias. Um cidadão que vai à rua defender uma idéia não precisa ser atemorizado por cachorros. Um governo não precisa de animais para se proteger.
Um tucano do pró-matilha sempre poderá argumentar que aquela gente que estava no protesto contra a venda da Vale viciava o exercício do direito de reclamar. Eram agressivos.
Dias antes, documentadamente, espancaram policiais. Ademais, queriam romper uma barreira policial (Ulysses e Tancredo enxotaram uma barreira, mas deixa prá lá).
Esse argumento tem a riqueza intelectual de um orangotango descascando uma banana. Nem todos os manifestantes eram agressivos. Havia senhoras oferecendo flores aos policiais. Não existe a figura do cidadão que protesta contra a venda da Vale e agride policiais. Quem protesta é cidadão, quem joga pedras na polícia é delinquente, e uma coisa não tem nada a ver com a outra. A polícia é paga para saber disso. Compete a polícia prender delinquentes e, mesmo nesses casos, não é necessário mordê-los.
Se ela não faz isso, transforma-se em risco para a ordem pública. Quando usa cachorros para fazer com as quatro patas o que pode ser feito por bípedes, ameaça a própria hierarquia dos mamíferos.
A imagem do PM apedrejado, com a cabeça sangrando, retrata uma selvageria semelhante àquela em que um colega seu, por ordem de seus superiores, joga um cachorro sobre a perna de um cidadão. O fato de não se ter encarcerado um só delinquente que apedrejou policiais documenta a inépcia de um comando incapaz de zelar pela ordem e de distinguir a segurança pública do exercício de violência. Até hoje não se sabe de qualquer investigação policial destinada a identificar as pessoas que foram filmadas espancando soldados da tropa de choque. Talvez estejam esperando que algum cão consiga farejá-los.
Se o governador Marcello Alencar e seu baronato policial acreditam que estão mantendo a ordem, podem ficar nessa ilusão. Não é de se supor que estejam propondo um novo nível de diálogo entre governo e oposição, com os dois lados ladrando. O que eles estão fazendo é esquentar os motores para o aparecimento de um cadáver. Uma polícia não pode ir para a rua suspeitando que apanhará dos manifestantes. Muito menos pode ser tirada do quartel se existe a possibilidade de que alguns policiais sejam espancados e que ninguém seja levado preso. O uso dos cachorros como preventivo contra a humilhação dos policiais é apenas um primeiro passo para a animalização dos conflitos de rua. O passo seguinte é um tiro.

O professor achou dois esqueletos da ditadura
Surgiu um historiador com disposição para revirar algumas zonas de sombra da ditadura durante os anos 70. Chama-se Kenneth Serbin, tem 37 anos, diploma de Yale e cadeira de professor na Universidade de San Diego.
Em junho de 1993, com a ajuda do Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil, o CPDOC, encontrou os documentos que revelaram a existência de uma câmara secreta de negociações entre a hierarquia da igreja e o aparelho de repressão do governo. Era chamada de Bipartite. Sentava à mesma mesa cardeais, representantes da conferência nacional dos bispos e generais, bem como coronéis do Centro de Informações do Exército (leia-se DOI-Codi). Deram-se 24 reuniões e Serbin capturou as atas de 14.
Além disso, entrevistou perto de uma dezena de participantes desses encontros.
No rastro da Bipartite, fuçou um episódio pouco conhecido, ocorrido no quartel do 1º Batalhão de Infantaria Blindada, em Barra Mansa, no início de 1972. Um capitão, comandando um tenente, sargentos e cabos, matou quatro soldados e torturou 11. Para esconder o crime, com o beneplácito do comandante do quartel, decapitou um cadáver, incinerou outro, forjou uma cena de deserção e acusou os mortos de terem assassinado dois colegas. O caso foi abafado até onde foi possível, mas o bispo de Volta Redonda, d. Waldyr Calheiros, fez com que a denúncia passasse da hierarquia religiosa para a militar.
O processo andou em sigilo, o julgamento dos criminosos se deu em segredo de Justiça, a censura segurou o aprofundamento da notícia da condenação dos criminosos e os autos parecem ter sumido dos arquivos da Justiça Militar. Serbin localizou as 32 páginas da sentença, na qual há uma versão sucinta, porém oficial, do que sucedeu.
Serbin espera concluir o manuscrito do livro sobre a Bipartite em agosto próximo, pois sua pesquisa agora é outra: o aborto clandestino no Brasil.

Buarque quer uma grande prévia no PT
O governador de Brasília, Christovam Buarque, botou uma carta nova na mesa do PT.
Sugeriu um mecanismo para a escolha do candidato do partido à Presidência da República.
Funciona assim:
Se Lula quiser a candidatura, leva e não se discute mais.
Do contrário, ainda neste ano, o PT organiza uma série de debates com a participação de eventuais candidatos. Seriam algo como dez debates, cada um numa cidade, todos transmitidos nacionalmente pela rede da Telebrás.
Antes do fim do ano todos os militantes do partido vão a uma prévia, da qual podem sair diversos nomes. A convenção decide com qual fica.
O PT ainda está escabreado com as consequências das prévias que realizou em São Paulo e resultaram em mais democracia, mais divisões internas e mais derrotas.
A proposta do governador é vista como uma maneira discreta dele colocar seu nome na lista, o que é coisa mais que legítima. Ela teria a utilidade de tirar o PT do trilho fatalista no qual, se o candidato não for Lula, terá que ser o ex-prefeito de Porto Algre Tarso Genro.

Jacob Frankel
(54 anos, presidente do Banco Central de Israel, maestro do melhor plano de estabilização monetária do mundo, em sua curta passagem pelo Brasil, ao fim da qual conseguiu um autógrafo de seu ídolo, Pelé.)
- A globalização da economia muda a própria noção de concorrência. Nós vivemos aquela situação na qual dois sujeitos estão numa trilha, encontram um urso e um deles começa a calçar o seu melhor tênis. Quando o outro lhe diz que isso é bobagem, porque o urso será mais veloz que ele, ouve a seguinte resposta: "Eu não preciso correr mais que o urso. Basta que corra mais que você".
- Diante de um grave problema econômico, faça como a polícia no filme Casablanca. Prenda os suspeitos de sempre. O primeiro suspeito é sempre o desequilíbrio orçamentário.
- Não se conhece política cambial que possa ser remédio para uma má política econômica.
- Se o governo mantém a moeda num valor artificial, pode escolher: ou corrige o seu valor, ou espera que o mercado o faça, ultrapassando-o.
- Quando um governo opera com déficit e usa o dinheiro de uma privatização para gastos, está apenas plantando a semente de mais déficit.
- Os políticos só mudam de opinião quando estão com as costas na parede. A dificuldade está em mostrar aos políticos que aquilo que eles têm nas costas é realmente uma parede.

Questão de lógica
Durante a semana passada assaltaram-se nove bancos no Ceará. A marca da bandidagem local girava em torno de, no máximo, dois assaltos por mês.
Que tipo de mudança poderia ter ocorrido no Ceará, de forma a justificar essa hiperatividade? Os bancos continuam com o mesmo número de agências. Os bandidos são mais ou menos os mesmos. Só houve mudança na polícia. O governador Tasso Jereissati começou uma operação-limpeza e importou um general (Cândido Freire) de Brasília.
Uma tentativa de limpar a casa provocou um surto de assaltos.
De duas uma: ou há policiais estimulando assaltantes, ou há assaltantes com carteirinha de policiais que ficaram sem os velhos capilés e foram buscar reforço de caixa na rede bancária.
Uma coisa parece certa, a bandidagem tradicional não está na origem do surto

Fogueira social
Sendo ministro da Cultura o professor Francisco Weffort, da USP, dentro de 60 dias realiza-se em São Paulo a primeira grande queima de processos arquivados na Justiça.
Irão para o forno os processos da Comarca de Bragança Paulista que chegaram a termo sem condenação, há mais de cinco anos. Como a Justiça não tem espaço nem dinheiro para preservar os documentos, vai queimar boa parte da memória social da comarca.
Do ponto de vista da burocracia judiciária, a medida é cruel, mas tem sua lógica. Como se trata de um crime cultural, bem que o ministro Weffort, ou o secretário de Cultura de São Paulo, Marcos Mendonça, poderiam acender o primeiro fósforo.

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