São Paulo, domingo, 11 de maio de 1997
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Entre Robin Hood e Madre Teresa de Calcutá

MARIO VITOR SANTOS
EM BARCELONA

Quais são as possibilidades de o ombudsman de imprensa atuar em favor da diversificação das mensagens nos meios de comunicação, incluindo os excluídos, num momento em que impera o discurso único e vigora um só projeto ideológico?
Esta foi a grande questão, infelizmente não-respondida de maneira satisfatória, na convenção anual da Organização de Ombudsmans de Imprensa (ONO, sigla formada pelas iniciais do nome inglês da Organization of News Ombudsmen), ocorrida entre domingo e quarta-feira passados, em Barcelona.
O discurso único neoliberal está aniquilando, na opinião do escritor espanhol e colunista do jornal espanhol "El País" Manuel Vásquez Montalbán, a capacidade de participação dos diferentes segmentos sociais e de reflexão alternativa.
Esse processo corrói a memória, obriga o homem a ser um escravo do presente, das máquinas de informar que, apesar de sua frenética diversificação, voltam-se unicamente para tomar partido do mercado e reproduzir os seus valores.
Montalbán considera que as empresas jornalísticas entregam o cargo de ombudsman a pessoas boas, encantadoras. Cultuam a imagem de que esses funcionários estão ali para roubar poder das empresas e entregá-lo aos leitores, sendo assim um personagem colocado no meio do caminho entre Robin Hood e a Madre Teresa de Calcutá. Apesar de sua simpatia, o ombudsman não deveria se iludir de que seja realmente o que dizem a seu respeito, diz ele.
Segundo o escritor, que falou à Convenção da ONO em Barcelona, os representantes dos leitores não estão em condições de ampliar o espectro de verdade a que se propõe uma empresa jornalística nem de dilatar o repertório de recepção dos leitores. Pode-se não concordar com o que diz, mas faz pensar.
Visão oposta tem o escritor Claude-Jean Bertrand, para quem ombudsmans, por sua rapidez e publicidade, são o melhor instrumento possível no que ele chama de Sistema de Prestação de Contas da Mídia.
Esse sistema é composto por meios não-estatais de levar a mídia a servir melhor ao público, o que é fundamental para a democracia. Controle do governo não pode fazê-lo. Forças de mercado, fontes de notícias, anunciantes e acionistas, também não.
Ombudsmans, para Bertrand, devem realizar a ligação com o público a quem o jornal deve prestar contas. Público, não apenas leitor, é a palavra-chave.
A ex-senadora e professora de ética Victoria Camps vê uma terceira geração de direitos universais (depois dos direitos civis e dos direitos humanos) surgindo em torno da mídia.
Pertencem a essa terceira geração os direitos individuais de acesso a uma informação correta e completa, a que se juntam os direitos ameaçados pelo surgimento incontrolável das novas tecnologias.
Olhado de Barcelona, o futuro da qualidade na mídia parece povoado de ombudsmans, alguns com a fragilidade de Madre Teresa, outros com o vigor de Robin Hood, a "roubar" direitos dos que monopolizam os discursos, a exigir que a mídia cumpra a função expressa no nome, que os meios de comunicação sejam meios realmente a serviço do público.
É difícil prever o que acontecerá, mas há muito que já se realiza hoje para abrir a mídia à influência externa, como se pode ver a seguir:
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O congresso dos ombudsmans de imprensa em Barcelona foi o primeiro a se realizar fora da América do Norte. Teve o maior comparecimento: 41 ombudsmans, defensores de leitores, representantes dos leitores e provedores de leitores, como se diz em Portugal.
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Os participantes pertencem a um pequeno grupo de jornais e emissoras, a maioria conhecida pela atenção que dá a ética e qualidade. Jornais como o "El País" e "La Vanguardia" (Espanha), "Le Monde" (França), "Yomiuri Shimbun", "La Repubblica" (Itália) e "Maariv" (Israel), além de televisões como a Canadian Broadcasting Corporation.
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Participou William Newman, ombudsman do tablóide sensacionalista inglês "The Sun". Trabalha em casa. Recebe duas queixas por semana (o ombudsman da Folha tratou de uma média de 154 por semana no primeiro trimestre deste ano). Diz que o leitor do "Sun" gosta do jornal como está. Acha que Charles será rei, com Camila a seu lado.
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O ombudsman do "Yomiuri Shimbum", Osami Okuya, é responsável por fiscalizar o jornal com uma circulação média de mais de 15 milhões de exemplares diários, somadas as edições matutina e vespertina. O jornal não tem um ombudsman, mas um comitê com 27 deles. Cada um tem ao menos 30 anos de experiência como jornalista.
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O comitê faz reuniões todos os dias com os editores de área para rever as edições, comparando-as com os jornais concorrentes. Os maiores interesses dos ombudsmans do "Yomiuri" são exatidão e equilíbrio das informações, furos jornalísticos e direitos humanos.
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Duas vezes por semana, os ombudsmans do "Yomiuri" divulgam na Redação um extenso relatório crítico, com cerca de 600 exemplares, comentando as edições do jornal. O comitê decide sobre prêmios aos profissionais que fizeram boas reportagens ou que deram furos.
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No ano passado, o diário holandês "Eindhovens Dagblad" resolveu publicar uma edição inteira somente com boas notícias. A edição coincidiu com o dia em que a fábrica da Philips na cidade fez grande número de demissões, anunciadas na véspera. Manchete do jornal: "Lucros da Philips devem crescer". A experiência não será repetida neste ano.
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Conclusão dos ombudsmans em Barcelona, numa sessão especial sobre "boas notícias": boas notícias são aquelas que correspondem ao que aconteceu, que contam tudo.
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David Bazay, ombudsman da Canadian Broadcasting Corporation (CBC), teve sua atividade agora estendida a todas as áreas da emissora pública, ou seja, é responsável por fiscalizar a exatidão e a ética de duas grandes redes de televisão e duas redes de rádio. Como trabalha sozinho, vai montar grupos de especialistas, que vão assessorá-lo no acompanhamento da qualidade da CBC.
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Pela primeira vez, a família real da Suécia está apelando ao ombudsman da imprensa daquele país, Pãr-Arne Jigenius, por causa da manipulação em computador de uma foto da princesa Vitoria, filha dos reis. O rosto dela, que é adolescente, foi colocado sobre o corpo de outra pessoa numa revista semanal de fofocas. A decisão deve sair nos próximos dias, diz o ombudsman, que analisa reclamações referentes a mais de 150 jornais do país.
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Adísia Sá, ombudsman de "O Povo" apresentou proposta para que a próxima convenção da ONO se realize em Fortaleza (CE), no ano que vem, quando o jornal completa 70 anos. Não há decisão sobre o local, ainda.
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Os bombeiros foram os mais bem cotados numa pesquisa comparativa da imagem de mais de duas dezenas de profissões, em pesquisa realizada junto à população da Catalunha, região mediterrânea da Espanha cuja capital é Barcelona.
Depois dos bombeiros, vieram os médicos. Jornalistas aparecem no pé da lista, junto a políticos e juízes.

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