São Paulo, domingo, 11 de maio de 1997
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Ideal de jovem hoje tem de ser concreto

BETINA BERNARDES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os deputados federais Fernando Gabeira (PV) e Lindberg Farias (PC do B) pertencem a gerações diferentes de militantes políticos, mas têm pontos em comum.
Eles participaram de movimentos importantes. Gabeira, no final dos anos 60, acreditava ser possível mudar o mundo pegando em armas. Lindberg foi líder estudantil, nas passeatas pelo impeachment do então presidente Fernando Collor, em 94.
Gabeira e Faria se encontraram para comentar a diferença entre as duas gerações. Gabeira era um dos jovens retratados no filme de Bruno Barreto, "O Que é Isso Companheiro". Farias ainda não viu o filme. Leia trechos do bate-papo.
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Fernando Gabeira -Nos anos 60, existia uma ditadura militar e claramente se colocava a luta contra a ditadura como um horizonte revolucionário. Era a luta pelo socialismo. De lá para cá, o socialismo sofreu derrotas, o capitalismo avançou e as pessoas não investem mais tanto na política e na transformação. Elas investem em projetos parciais. A vontade de ajudar e de se transcender, de participar do conjunto, existe, o que não existe mais são utopias organizantes.
Lindberg Farias - Continua um pouco presente esse desejo de transformação política. Você vê que a juventude voltou às ruas no impeachment. No caso da Vale do Rio Doce, uma parcela considerável da juventude voltou às ruas contra a privatização. A juventude continua atrelada a questões mais gerais. Questões ligadas às liberdades individuais ganham peso. Hoje pega muito o projeto do Gabeira, de descriminação da maconha. O projeto da Marta Suplicy, de união civil entre homossexuais também.
Gabeira - À medida que o capitalismo avançou, permitiu a colocação da liberdade individual em um nível superior. A pessoa se liberta da religião, dos vizinhas, da família. As pessoas trabalharam o que chamam de autenticidade, elas querem ser o que são. A partir daí se interessam e a lutam. A opção sexual é fundamental. Antigamente você não podia ser o que era. Lembro que, nos anos 60, a questão sexual quase não existia.
Lindberg - Ainda acho que o capitalismo não resolve os problemas. Vimos que um dos erros do socialismo foi a falta de canais democráticos de participação do indivíduo, mas nossa luta mais geral ainda é de combate ao capitalismo.
Folha - O individualismo é o ponto comum?
Gabeira - O individualismo é o ponto comum em relação ao passado, mas o individualismo é limitado como alternativa. Não há indivíduo sem sociedade. Hoje, há uma possibilidade maior de dar uma resposta que não seja político-partidária. Por exemplo, a campanha do Betinho, foi uma resposta muito bem recebida.
Lindberg - Acho positivo o fim de uma ditadura do coletivo, mas não quero dizer que o caminho é o individualismo, as pessoas abrirem mão de projetos coletivos, a idéia é conciliar. A juventude tem dificuldade de se mobilizar em cima de bandeiras mais corporativas, eles se mobilizam muito em ideal. Ideais mais concretos, como na época do Collor.
Gabeira - Houve uma mobilização bonita nas universidades sobre o livro do Sebastião Salgado, sobre os sem-terra. Eles acreditam mais no MST que nos partidos.
Lindberg - Qualquer coisa nesse lado de vida, liberdade, justiça, igualdade, tem aceitação na juventude, como a reforma agrária...
Gabeira - Os jovens são parados na atitude, ver como são as pessoas. Se você falar para o mundo novo com postura antiga, eles não acreditam. Os sem-terra eles vêem. A autenticidade tem peso grande. O adolescente, apesar de não ser muito coerente, exige coerência.
Lindberg - Agora comemoramos 30 anos da morte do Che Guevara e o símbolo dele voltou com força, é moda nessas últimas passeatas...
Gabeira - O Guevara está voltando, mas não voltará a idéia de morrer na Bolívia, ou de guerrilha rural. É o símbolo de uma pessoa que deu a vida por uma causa nobre. Isso para eles tem valor.
Lindberg - Há necessidade de transformações rápidas.
Gabeira - Se meu eleitorado esperasse o Congresso para fumar um baseado, levaria quatro anos enrolando e cinco para acender...

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