São Paulo, domingo, 11 de maio de 1997
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Americanos têm pressa, diz negociador

JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
DE NOVA YORK

Os Estados Unidos pretendem jogar duro no encontro em Belo Horizonte sobre a formação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
Os norte-americanos estão irredutíveis quanto ao prazo de dez meses, março de 1998, para iniciar a formação da Alca. Os países do Mercosul, encabeçados pelo Brasil, querem um tempo mais longo de negociação.
"Quanto mais cedo, melhor. Melhor para os Estados Unidos, sem dúvida, mas melhor para os outros países do continente também. Quem pensa que o Brasil é uma exceção está equivocado", disse Peter Allgeier, representante-adjunto para o hemisfério ocidental do escritório de comércio dos Estados Unidos.
Na semana passada, Allgeier acrescentou mais algumas pitadas à já salgada negociação entre os dois países em torno da Alca . Segundo ele, as exportações brasileiras para os EUA não cresceram nos últimos anos porque alguns produtos daqui estão abaixo da qualidade exigida pelo mercado norte-americano.
"Qualquer estudante de economia demonstra que há fortíssimas restrições à entrada no mercado norte-americano de produtos brasileiros. Isso acontece porque somos produtores eficazes, competitivos e grandes desses produtos", respondeu o ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, dando o tom da reação do governo brasileiro.
Em entrevista à Folha, por telefone, Allgeier pede "uma profunda reflexão" do governo brasileiro sobre a importância da Alca.
*
Folha - O senhor declarou que o Brasil tem exportado menos do que poderia para o mercado norte-americano por deficiência em sua produção ou qualidade abaixo da esperada de seus produtos.
Declarações até certo ponto fortes como esta não podem refletir negativamente no clima da reunião em Belo Horizonte?
Peter Allgeier - Não foi uma crítica ao Brasil, foi uma constatação. Se vocês entenderam como crítica, levem-na no sentido positivo, no sentido da crítica construtiva.
Mostrei números. Do início dos anos 90 para cá, os Estados Unidos abriram mais seu mercado para a América Latina.
Estamos com menos barreiras, mais receptivos para os produtos latino-americanos.
O volume de nossas importações da América Latina cresceu na ordem de quase 60%. O que aconteceu com a participação dos produtos brasileiros no volume de importações dos Estados Unidos? Diminuiu, quando não deveria ter diminuído.
Eu quis mostrar que a culpa pela diminuição não era nossa, não era dos Estados Unidos. Se fosse, por que a Argentina e o Uruguai, que também são do Mercosul, tiveram aumento em suas participações?
Folha - O governo brasileiro prefere esperar um pouco para iniciar, de fato, as negociações da Alca. Com o Mercosul mais forte, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai teriam maior poder de fogo numa negociação futura...
Allgeier - Quanto mais cedo começar a Alca, melhor. Melhor para os Estados Unidos, sem dúvida, pois nossas empresas terão muito a ganhar com a liberdade comercial no continente. Mas melhor para os outros países do continente também.
Quem pensa que o Brasil seria uma exceção está equivocado.
Estamos todos preparados para iniciar a negociação na cúpula de Santiago. Fortalecendo o continente americano, por exemplo, teremos todos mais poder contra os europeus nas disputas na Organização Mundial de Comércio.
Folha - Qual a possibilidade de os Estados Unidos aceitarem retardar um pouco as negociações sobre a Alca, concordando com as três fases que propõe o Brasil?
Allgeier - Estamos todos prontos para negociar. Não há a menor razão para adiarmos por adiar. A menor razão.
Folha - Mas é o que quer o Mercosul...
Allgeier - Só o Mercosul, então, não está pronto. A Alca são 34 países, não 4...
Folha - Então o Mercosul poderia ficar de fora?
Allgeier - Não disse, nem insinuei isto. Se dei essa impressão, não me exprimi como queria ou devia.
Folha - Mas qual a solução, então?
Allgeier - Estamos dispostos a dialogar. O Brasil precisa refletir. Produtos brasileiros e paraguaios perderam muito espaço no mercado norte-americano, mas os da Argentina ou Uruguai não.
A economia brasileira está melhorando, a inflação controlada, o governo, pelo que percebo, tem o desejo de exportar mais.
Com o Nafta, o México passou a exportar mais, não foi engolido pelos Estados Unidos.
Com a Alca, o Brasil também pode exportar mais. É o que queremos. Não somos o bicho-papão.
Não há razão para o governo brasileiro querer uma posição de isolamento. E sei que não quer. Com uma profunda reflexão por parte do governo brasileiro, sei que chegaremos a um consenso.
Folha - O senhor diz, então, que a Alca para o Brasil pode ter efeito semelhante ao que o Nafta teve para o México. A situação do México melhorou depois de 1994?
Allgeier - Em termos de comércio com os Estados Unidos, não tenha dúvida. O presidente Clinton, em visita à Cidade do México, apresentou esses números.
Desde 1994, graças ao Nafta, o comércio bilateral entre Estados Unidos e México cresceu na casa dos 60%.
Folha - Um dos argumentos que o Mercosul usa para retardar o início da Alca é a aprovação do fast-track (ou via rápida) por parte do Congresso norte-americano.
Sem o fast-track, sempre vai existir o temor de que os acordos internacionais negociados pelo governo dos Estados Unidos sejam modificados pelo Legislativo.
Allgeier - O presidente Clinton deixou claro em diversas oportunidades sua intenção de lutar pela passagem do fast-track, pois lutamos pelo livre comércio dentro da América.
Folha - Dentro dos Estados Unidos há uma forte oposição por parte de sindicatos de trabalhadores a acordos com outros países do continente. Com salários mais baixos nas nações latino-americanas, por exemplo, há o temor de que as empresas começarão a se instalar mais nestes países, gerando desemprego nos Estados Unidos...
Allgeier - Não é verdade. Voltando às últimas declarações do presidente Clinton, muita gente desconhecia que os Estados Unidos estão exportando hoje 37% a mais para o México do que em 1994.
É inverídico dizer que acordos comerciais como o Nafta, ou agora a Alca, tragam desemprego.
Acordos dessa natureza, pelo contrário, geram empregos em países como o México e o Brasil, já que muitas indústrias de fora passam a se instalar lá.
Mas para o trabalhador norte-americano a situação também é boa. Gerando emprego em países da América Latina, diminuem a imigração para os Estados Unidos e a concorrência de mão-de-obra.
Além do que, melhorando a economia de países como México e Brasil, há um crescimento de seus mercados consumidores, e os Estados Unidos podem, então, exportar mais.
Folha - Que economias da América do Sul o senhor vê com melhores olhos?
Allgeier - Brasil, Argentina, Chile e Venezuela estão se desenvolvendo com desenvoltura.
Folha - Desde que William Daley assumiu a Secretaria de Comércio, em janeiro, será a primeira missão comercial para a América do Sul que ele comandará.
Muitos executivos viajarão com o secretário, tentando fazer negócios na América do Sul. Empresas que ficaram de fora da missão reclamaram de discriminação, insinuaram que quem faz parte da comitiva teria contribuído financeiramente para a campanha dos democratas...
Allgeier - Desconheço e estranho as reclamações.
Empresas interessadas em fazer parte da missão foram selecionadas num processo de duas etapas, sem a presença e a influência do secretário.
E quanto a fundos de campanha, a maior parte dos 31 executivos que fazem parte da missão, pelo que tenho lido, era mais ligada ao Partido Republicano.

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