São Paulo, domingo, 11 de maio de 1997
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Um projeto para as telecomunicações

LUCIANO COUTINHO

O debate simplesmente ideológico e doutrinário a respeito da privatização das grandes empresas/infra-estruturas públicas vem sendo, infelizmente, medíocre. Do lado das oposições, pela dificuldade de propor, com fundamentação técnica, a indicação de alternativas. A peleja doutrinária e adjetiva favorece o governo, que ganha com isso um álibi para esconder a sua confusa adesão ao paradigma liberalizante, com lamentável falta de estratégia de longo prazo.
O caso das telecomunicações é mais um exemplo da rarefação do debate. Do lado do governo, é inegável a improvisação. As concessões da banda B da telefonia celular, por exemplo, foram licitadas a consórcios privados com base numa precária "lei mínima", sem que se tivesse discutido seriamente um arcabouço legal para o conjunto do setor.
A chamada "lei geral" enviada posteriormente, e hoje em discussão no Congresso Nacional, é uma peça pouco consistente e reveladora desta confusa improvisação: propõe uma privatização de forma fragmentada do sistema Telebrás em empresas regionais (cujo controle efetivo tenderá a ser exercido por grandes operadoras estrangeiras), com estímulos meramente declaratórios à produção de equipamentos e ao desenvolvimento de tecnologia no país. As atribuições da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a ser criada com o objetivo de regular os serviços e concessões ao setor privado, não foram suficientemente bem definidas.
Vamos por partes: por que privatizar o Sistema Telebrás (conjunto de 29 empresas estaduais/locais) em quatro ou cinco agrupamentos regionais para consórcios privados que, na prática, serão dominados pelos seus sócios estrangeiros que dispõem de tecnologia, poder de barganha e já participam de estratégias globais? A argumentação governamental é de que a venda em blocos regionais maximizará as receitas provenientes da privatização e promoverá um modelo concorrencial mais saudável.
Essas razões são frágeis e devem ser contrastadas com os seguintes inconvenientes: 1) a fragmentação dos serviços em operadoras regionais dificultaria sobremodo o estímulo à fabricação de equipamentos, desenvolvimento de produtos e à produção de software no país, dado que os diferentes controladores estrangeiros teriam preferências e interesses díspares, não coincidentes com o potencial de bens e serviços ofertados domesticamente; 2) a fragmentação em empresas regionais não necessariamente assegurará maior grau de concorrência, pois os futuros concessionários privados poderão atuar como monopólios locais e utilizar as suas empresas como "cash-cows", investindo aquém do potencial; 3) no caso brasileiro a marcante desigualdade regional significa que as empresas que operarão nas regiões menos desenvolvidas poderão enfrentar sérias dificuldades para suprir os serviços em áreas de baixa renda/densidade populacional -nos afastando, portanto, do ideal de universalização.
É importante assinalar que nenhum país desenvolvido está caminhando para a fragmentação de suas operadoras de telecomunicações. Ao contrário, os países europeus unificaram e vêm fortalecendo as suas empresas nacionais e nos Estados Unidos se assiste a uma veloz reconcentração das "Baby Bells" que resultaram da quebra em 1984 do monopólio da ATT.
O Ministério das Comunicações e o Congresso Nacional deveriam considerar seriamente a racionalidade de também caminharmos para uma grande empresa integrada, sob controle nacional, capaz de: 1) negociar parcerias globais; 2) viabilizar o desenvolvimento de uma forte base doméstica de produção de equipamentos e software; 3) acelerar os investimentos, com metas e compromissos publicamente fixados, para a desejada universalização dos serviços.
Se unificadas, as empresas do atual sistema Telebrás (e a elas somada a Embratel) alcançariam R$ 8 bilhões de faturamento, porte suficiente para atuar eficientemente como ator global -especialmente se considerarmos o elevado potencial de crescimento do mercado brasileiro e sul-americano.
Uma grande empresa nacional com controle privado e gestão profissionalizada de alta qualificação -regulada por agência pública que zele pelo interesse social- poderia promover mais rapidamente a universalização e, simultaneamente, estimular a produção no país de sistemas, software e equipamentos, facilitando também o nosso desenvolvimento tecnológico.
É evidente que seria muito mais fácil dar sentido ao futuro do atual Centro de Pesquisas da Telebrás (CPqD) sob uma grande operadora nacional. Do contrário será necessário criar um "fundo compulsório" sobre as futuras concessionárias, desinteressadas em promover o avanço tecnológico local. Também ficaria facilitado o estímulo à produção de equipamento/software no país, que de outra forma dependerá de mais incentivos fiscais e financeiros, além dos atuais.
Os arautos do governo desqualificaram as críticas à privatização da Vale afirmando que extrair e transportar minério de ferro não é uma atividade estratégica. No caso das telecomunicações, se não reconhecerem o caráter estratégico e se não justificarem o porquê de fragmentar o sistema e entregar a Telebrás-Embratel ao controle de operadoras estrangeiras, estarão passando a si próprios atestado ou de má-fé ou do pessimismo autodepreciativo a respeito da nossa capacitação tecnológica e empresarial -doença lamentável que, infelizmente, vem infestando a elite brasileira.

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