São Paulo, domingo, 11 de maio de 1997
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No canto, o gatinho jaz com o pescoço torcido

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Esse Grêmio pode não ser um timaço. Mas é um time de aço. Como o aço, para ele, não tem tempo, nem temperatura.
Resiste a qualquer pressão, tanto ao calor da torcida adversária quanto à sua própria. Não se destempera, sob qualquer clima.
Forjado no fogo da paixão e da tradição, o Grêmio saiu-me uma barra de aço, dura, fria e lisa, sobre cuja superfície deslizam os Paulo Nunes, praticantes de um surfe singular e fatal.
Não digo isso tanto pela vitória sobre o Corinthians, na última quinta-feira, embora fosse um bom exemplo: jogando com 10 contra 11 ilustres inimigos e na casa alheia, levando um pênalti inexistente e inconvertido, mesmo assim arrancou os 2 a 1 que praticamente encerram esta fase da Copa do Brasil.
Falo da partida anterior, em que ganhava do Vitória de Bebeto por 2 a 0, na Fonte Nova, quando se deu a virada. Qualquer time do mundo, em qualquer época, despencaria em cacos. Menos esse Grêmio, que, não só resistiu ao assédio adversário como ainda selou o resultado com o golzinho de empate.
Nervos de aço, alma de aço, armadura de aço, esse Grêmio não é apenas mais um time para entrar na história. É um troféu, sólido e inquebrável que resiste até mesmo ao passar da história.
*
Há muitos anos, presa da perplexidade própria dos jovens, revelei ao ao saudoso Aristides Lobo minha dúvida: por que aquele determinado político, que poderia se reeleger ad-eternum deputado federal, arriscava-se à desventura de candidatar-se a um cargo majoritário, sem chances de ir além da rabeira. O velho Lobo das redações, sentenciou, do alto de sua mordaz ironia: "Ora, meu filho, os perdedores não prestam contas porque ninguém lhes cobra nada além do ostracismo".
Quer dizer: o bicho se candidata, gasta uma merreca na propaganda, faz o caixa e se aposenta como um feliz ganhador da megasena.
Recordei a lição do antigo mestre diante desse escabroso episódio da CBF, o que sugere uma pergunta: será que a tão prematura candidatura a deputado federal de Ivens Mendes era mesmo pra valer; ou tratava-se apenas de uma fachada que encobria a grana rolando leve e solta em direção às contas particulares do indigitado elemento?
*
Há quem se apiede do presidente corintiano, considerando-o mais vítima do que cúmplice. Mais ou menos como no contrato entre motorista e guardador de carro: o cara paga não para que o outro guarde o carro, mas para que não risque a máquina. Traduzindo: chantagem implícita.
Pode ser. Mas, nessas transações entre cartolas, jamais vi um gesto de candura.
O único que irradia honestidade translúcida é o autor do golpe: falando na TV, é de uma transparência angelical. O homem não revela a mais remota noção de ética, o que me deixou com a sensação de que ele está mesmo convencido de que não cometeu pecado.
Vai pra cama e dorme com os anjos, arcanjos e querubins esvoaçando seu sono de criança. No canto, o gatinho jaz com o pescoço torcido.

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