São Paulo, domingo, 11 de maio de 1997
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Como produzir QI baixo

GILBERTO DIMENSTEIN

Numa experiência perversa, um grupo de crianças pobres foi propositadamente abandonado por cientistas.
Desde 1972, eles acompanharam mês a mês como o abandono ia danificando e inviabilizando aqueles seres -a degradação era medida por meio de uma perversa comparação.
No mesmo período, os cientistas adotaram outro grupo da mesma idade e condições socioeconômicas, decidindo protegê-los. Os escolhidos dessas famílias carentes foram tratados, ao contrário, com todos os privilégios desde o berço.
Com as visitas diárias dos pesquisadores, os felizardos recebiam os mais variados estímulos, de brinquedo educativo a leitura de histórias.
Aos 12 anos de idade, foram feitos testes de QI -os negligenciados tiveram um desempenho incomparavelmente inferior. A diferença se confirmou na escola e, depois, no emprego.
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Os resultados da experiência foram apresentados ano passado pelo professor Craig Ramey, da Universidade de Alabama, num encontro que reuniu, em Chicago, alguns dos mais importantes especialistas americanos do estudo do cérebro.
Outros cientistas exibiram pesquisas que obtiveram as mesmas conclusões, indicando a importância estratégica dos cuidados nos primeiros anos de vida. Daí se detonou uma campanha que começa mobilizar o país.
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Por trás dessa campanha, estão empresas como Xerox, AT&T, Time Warner, Chase Manhattan Bank ou IBM. O súbito interesse empresarial pela neurologia tem uma razão simples.
Elas se convenceram de que, nesse período do desenvolvimento infantil, estavam as chances de o país formar melhores profissionais no futuro, garantindo produtividade num mundo cada vez mais competitivo -exatamente o que levou a principal estrela política mundial, o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, a vencer uma eleição montado na prioridade à educação.
Óbvio? Entre nós, brasileiros, ainda não.
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As mobilizações políticas que, de fato, ganham as ruas brasileiras e geram emoção estão presas a uma agenda arcaica, sensibilizando imensas camadas do que se convencionou chamar de "inteligência brasileira" -uma inteligência que revela baixo QI político.
Os sem-terra entusiasmam o país com a idéia equivocada de que reforma agrária deveria ser prioridade, num mundo em que a tendência é a mecanização do campo.
A privatização da Vale vende a idéia de que a riqueza de uma nação está debaixo da terra; a UNE faz de sua bandeira mais importante boicotar o provão.
Partidos de esquerda opõem-se à reforma administrativa mais por seus méritos -reduzir os privilégios dos funcionários- do que defeitos.
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Ao se grudar numa plataforma arcaica, as oposições prejudicam o país justamente por não serem oposição, trazendo novas idéias e alternativas, com um projeto de futuro.
Grupos que vão do MST, passando pelo UNE, ao PT e PDT, OAB e CNBB, tropeçam num discurso mofado e, assim, deixam o presidente Fernando Henrique Cardoso com o monopólio da ofensiva política. Nada parecido com as idéias renovadoras que derrubaram a ditadura.
O problema é que, sem oposição, o governo vai ficando mais arrogante. É o paraíso dos bajuladores.
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Só essa sensação de arrogância explica por que, no país da impunidade, fiquemos tanto tempo sem ministro da Justiça -um cargo que virou centro de barganhas nada edificantes. O governo demora tanto para escolher um ministro da Fazenda?
Só assim também se explica um ministro como Sérgio Motta, com seus ataques pessoais grosseiros. Ou referências deselegantes como as que fez, semana passada, sobre aliados do governo. Com muitos deles, disse, daria para conversar apenas "pelado na sauna". Será que nesse ambiente um tanto vaporoso estão discutindo também o nome do futuro ministro da Justiça?
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Um dos mais sérios problemas políticos brasileiros é que faltam líderes de oposição que, como no passado, eram ouvidos e respeitados pelo homens do poder porque eram ouvidos e respeitados pela sociedade.
Com o fim do autoritarismo, os líderes deveriam ser capazes de reconhecer erros, mas estimular acertos de um governo. Diga-se que nenhuma pessoa séria intelectualmente pode deixar de reconhecer que o presidente, até aqui, está acertando mais do que errando -em especial, na área de ensino básico.
A credibilidade dos líderes de oposição vinha do fato de que falavam olhando para o futuro. Essa química dos tempos produziu a notoriedade de tipos como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves ou mesmo o Lula dos tempos do movimento sindical.
Ganha a agenda do futuro quem souber melhor administrar a idéia de que o maior patrimônio de uma nação é o que está dentro da cabeça -e não debaixo ou em cima da terra.

PS - A divisão é a seguinte: eles entram com a sauna. E o contribuinte, com o suor.

Fax: (001-212) 873-1045
E-mail gdimen@aol.com

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