São Paulo, quarta-feira, 14 de maio de 1997
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Dialeto dos negociadores é curioso

CLÓVIS ROSSI
DO ENVIADO ESPECIAL

A Alca tanto pode ser construída em um "single undertaking" ou por meio de uma "early harvest".
Se você não entendeu, não está preparado para a globalização.
É simples: "single undertaking" quer dizer "empreendimento único",e "early harvest", "colheita antecipada".
Se você ainda não entendeu, não é carência no inglês, mas uma dificuldade compartilhada com 99% dos mortais comuns: compreender o peculiar dialeto que os diplomatas usam e no qual 11 de cada 10 palavras são em inglês, claro.
"Single undertaking" quer dizer que, se há digamos 100 temas a negociar e chega-se a um acordo sobre 99, estes todos ficam na gaveta até que se feche a negociação sobre o 100º e último.
Ou, para usar o dialeto dos diplomatas, "nada está acordado até que tudo esteja acordado", sendo o "acordado", no caso, igual a "estar de acordo" e não estar desperto.
"Early harvest" é, óbvio, o contrário: "acordado" um tema, ele passa a vigorar de imediato, para que se "colham" os benefícios.
Continua confuso? Não se preocupe. Os diplomatas usam as palavras como o florete na esgrima: dizem tudo o que querem dizer, mas acolchoam as palavras de tal forma que não ferem o adversário.
Exemplo: em vez de usar a palavra "impasse" para designar o estágio atual das negociações, preferem "consenso condicional", como já disse Sebastião do Rêgo Barros, o vice-chanceler brasileiro.
Síndrome de reunião
Além disso, os negociadores sofrem do que Guy de Jonquiére, especialista em comércio do jornal britânico "Financial Times", batizou, certa vez, de "síndrome de reunião".
Viciaram-se de tal forma em reuniões, para retirar o acolchoado das palavras, que as reuniões passam a ser um fim em si mesmo.
Tome-se o exemplo da Declaração Ministerial a ser emitida ao final do encontro em Minas Gerais.
São apenas 18 parágrafos, que vêm sendo discutidos há já quatro reuniões de vice-ministros (do Exterior e do Comércio). Mas, até a manhã de ontem, havia em torno de 55 "brackets" nos parágrafos.
É claro que ninguém usa "parênteses" para dizer "brackets" no dialeto diplomático. Os "brackets" significam que não há acordo sobre a formulação do texto naquele ponto.
Pois bem. Ontem de manhã, os vice-ministros ficaram umas quatro horas reunidos e conseguiram passar a limpo apenas cinco dos 18 paragráfos.
Mesmo assim, chegaram a acordo só em torno de três deles (os mais simples, óbvio, que dizem respeito ao histórico da Alca).

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