São Paulo, quarta-feira, 14 de maio de 1997
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Hora de prestar conta

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Não cheguei ao exagero, mas conheço gente que recortou da Folha o megacheque que entrou nas burras nacionais por conta da Vale do Rio Doce. Isoladamente, é dinheiro pra burro. Parecia esses cheques que os jornais periodicamente publicam, cheques suspeitos de traficantes, anões do Orçamento, doleiros dos precatórios etc. Cheque honesto não costuma ir parar nas primeiras páginas dos jornais.
Bem, ninguém sabe ainda, e exatamente, o que será feito com esse dinheiro. A única destinação legal será a daquele imposto que grava qualquer cheque, compre ele meia dúzia de cuecas ou uma usina termonuclear.
Deve-se a existência desse imposto ao dr. Adib Jatene, que diagnosticou a falência de nosso sistema de saúde. Depois de muita briga e de alguns xingamentos, o imposto foi aprovado. Sou ruim de cálculos, mas se a lei for cumprida, alguns milhões graúdos dessa dinheirama deverão ir para a Saúde. Um amigo melhor informado nessas mumunhas fez o cálculo e ficou radiante: daria para reaparelhar uma meia dúzia não de cuecas, mas de hospitais que estão fechando por falta de algodão, álcool, mercúrio cromo, seringas e esparadrapo.
Outro dia, estive em Belo Horizonte, fazendo uma palestra no sindicato dos médicos de lá. Por falta de pagamento a fornecedores desse prosaico material, o maior hospital da cidade, o das Clínicas, está ameaçado de fechar (nem sei se a essa altura já foi fechado).
Serão milhares de doentes que não terão para onde ir. O drama (e não importa se é federal ou estadual) é um drama do Brasil neoliberal.
Tanto o presidente da República como o governador do Estado são do PSDB, partido que tem o cinismo de colocar o social no seu nome e na sua sigla.
A nação agradeceria se o governo, agora que recebeu o megacheque e tem de pagar o imposto que ele próprio criou, prestasse contas à sociedade de como e onde gastará esse dinheiro.

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