São Paulo, quarta-feira, 21 de maio de 1997
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Cristianismo dá inspiração a Kazuo Ohno

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em 1986, quando Kazuo Ohno se apresentou pela primeira vez no Brasil, aos 80 anos, pouca gente podia imaginar que o mestre da dança butô retornaria mais de uma década depois com a mesma vitalidade.
Não bastasse a boa forma física e artística que continua exibindo, Ohno prova que ainda é campeão de bilheterias.
Com ingressos esgotados logo após o início das vendas, os quatro espetáculos que Ohno realiza a partir de hoje no teatro Sesc Anchieta prometem marcar época outra vez.
Mais do que uma apresentação de butô protagonizada por um de seus mentores, é certo que o público quer ver Ohno, cujo carisma e singularidade transcendem a arte que o projetou.
Tanto poder junto às platéias, especialmente a brasileira, que tem pouca afinidade com a linguagem enigmática do butô, pode ser explicado, em parte, pela fé cristã de Ohno, que consegue fazer de cada apresentação uma afirmação de humanismo, vida e morte.
"Sempre me pergunto se a morte é algo que põe fim à existência, se é um ponto final. É difícil afirmar. Acho que vida é morte e morte significa o início de uma outra vida. Por isso, a pergunta sobre o que penso da morte não faz sentido para mim", afirmou Ohno com voz pausada e sussurrante, na coletiva de imprensa realizada na última segunda-feira.
"Acho que não há descanso eterno depois da morte. Para mim, os elementos que formam nossos corpos se espalham pelo universo e se aglutinam para formar outras vidas, não importa quanto tempo esse processo vá demorar. Penso que a morte do corpo seria a morte do universo", disse Ohno, referendando afirmações que, simbolicamente, estão sempre presentes em seus espetáculos.
Movimentando-se com graça, firmeza e agilidade, Ohno parece se nutrir de uma profunda espiritualidade. "A vida é uma dádiva, nem um pouco gratuita, que ganhamos do universo. É necessário devolver ao mundo nossa vida, e a dança é um meio de realizar isso. Gostaria que os jovens pensassem nisso: que a dança é um meio de questionar e perceber a vida", afirmou.
Segundo Ohno, a dança também deve revelar a forma da alma. Nesse ponto, ele reconhece sua diferença com Tatsumi Hijikata (1928-1986), que inaugurou o movimento butô no Japão em 1959.
Para melhor esclarecer seu conceito, Ohno recorre a seu filho e parceiro, Yoshito Ohno, 58, que o acompanha na atual temporada brasileira.
"Uma das bases do butô é a idéia de corpo morto, que significa um corpo humano reconstruído com a ajuda do pensamento", explica Yoshito. "Hijikata acreditava que a 'reconstrução' do corpo geraria uma forma, que por sua vez estimularia e transmitiria um conteúdo ou alma. Para Ohno, ao contrário, é a alma, o conteúdo interno de cada intérprete que acaba gerando a forma."
Como recurso técnico, o "corpo-morto" do butô está relacionado às emoções mais profundas, que, uma vez reconhecidas pelo dançarino, permitem que ele as expresse mais livremente.
"Minha dança não é pré-estabelecida ou formatada", esclarece Ohno, ressaltando que, quando coreografa para alguém, procura inteferir o mínimo possível.
"Minha função, nesse caso, é montar um conceito para que o dançarino o desenvolva com responsabilidade e liberdade. Se você quer representar uma flor, você pode recorrer à mímica e obter um resultado banal e desinteressante. Mas, se você interiorizar a beleza de uma flor e as emoções que ela evoca dentro de seu corpo morto, então a flor que você criará em cena será verdadeira e única e tocará o público", ensina.

Espetáculo: Kazuo Ohno
Onde: teatro Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, região central de São Paulo, tel. 011/256-2322)
Quando: hoje e amanhã, às 21h ("Tendoh Chidoh" ou "Caminho no Céu, Caminho na Terra"); sábado, às 21h, e domingo, às 19h ("Suiren" ou "Ninféias")
Quanto: R$ 20 e R$ 10 (esgotados)

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