São Paulo, quarta-feira, 21 de maio de 1997
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Votos comprados

VICENTE CASCIONE

Quanto tempo a opinião pública leva para descobrir certas verdades ocultas sobre o jogo do poder? O que é preciso ser feito para descobrir essas verdades? Quando começa nas consciências individuais -e, depois, na consciência do povo- o conhecimento dessas verdades?
Quando a imprensa deu início à revelação de irregularidades que envolviam o governo Collor, tudo parecia apenas uma campanha jornalística de oposição. Mas, em seguida, vieram o assessor da comissão do Orçamento José Carlos dos Santos, o motorista, a secretária etc. O tesoureiro da campanha de Fernando Collor foi o epicentro dos escândalos. Tempos depois, veio o impeachment.
Agora, surge a ponta do iceberg da compra de votos. Sérgio Motta, tesoureiro da campanha de FHC -que o presidente levou para o ministério como seu "alter ego"-, é acusado de comandar as operações.
Em primeiro lugar, é preciso reconhecer a força desse governo, que conta, como nenhum outro contou, com o apoio expressivo da grande mídia e de seus mais expressivos formadores de opinião. Além do mais, recebe uma sustentação política, alavancada pelo PFL, que, se tivesse jogado a favor de Collor, talvez pudesse ter impedido o impeachment naquela oportunidade.
Hoje o esquema é fechado, forte e bem protegido. Mas não há nada que o tempo não resolva. Pena que, às vezes, resolva tarde.
Sérgio Motta foi o tesoureiro de uma campanha, seguramente, não menos milionária do que a de Fernando Collor. Caudalosos rios de dinheiro, fluindo de generosos doadores, correram para o mar da campanha de FHC. Bancos, empresas nacionais, multinacionais e grandes interesses nutrem candidatos presidenciáveis.
Os favoritos, evidentemente, recebem mais. Mas os candidatos fortes não ficam órfãos. Collor, FHC e Lula da Silva, pela expressão de suas candidaturas, receberam estímulos financeiros cujo montante vai além de nossa imaginação.
Mas voltemos aos tesoureiros das campanhas. É fácil compreender os contatos, a aproximação, os compromissos, as relações importantes e até perigosas que um tesoureiro de uma campanha de milhões de dólares mantém com poderosas forças da economia. E é difícil imaginar que todas essas relações e vínculos se rompam, de repente e definitivamente, após a posse do candidato eleito.
É difícil admitir que o tesoureiro saia do circuito desse poder paralelo, esqueça nomes, desconheça doadores, rasgue agendas, corte telefones e se recolha ao convento do fortíssimo Ministério das Comunicações, deixando as ligações da campanha em algum lugar do passado.
Tesoureiro, ministro plenipotenciário, "alter ego" do presidente, porta-voz de seus impropérios e incontinências, trator para remover obstáculos e divergentes, por bem ou por mal, Sérgio Motta comandou, sim -e sempre-, o rolo compressor do governo, acuando, ameaçando, pressionando, retaliando os deputados que ousaram divergir das ordens palacianas.
Parlamentares confessaram ter recebido telefonemas do ministro com um argumento convincente: "Se você não votar a favor, você está f... comigo". Assim, desde essa maneira cortês de pedir votos até todas as outras que os senhores possam imaginar, Sérgio Motta comandou as votações ao seu estilo.
Se alguns tremem e simplesmente votam, e se outros se curvam para não ver fechadas as portas do governo diante dos pleitos de suas regiões, com certeza haverá parlamentares que não tremem, não cedem e não se submetem. Mas haverá, também, os que se vendem nesses leilões abjetos, em que não faltam poderosos compradores.
No caso dessa ponta do iceberg, os réus são confessos. O PFL os expulsou sumariamente. FHC diz que eles devem ser punidos. Mas há uma lógica cínica: os vendidos foram punidos sumariamente porque confessaram. A confissão vale para tipificar a venda. Mas não vale para incriminar o comprador...
Para chegar às verdades ocultas, é preciso raciocinar com a própria cabeça. Tesoureiros de campanha, com a vantagem (ou agravante) de ser ministros que podem tudo, acham que podem mesmo. E, de certa maneira, podem...
O leitor comece a observar. Talvez as verdades ocultas sejam descobertas mais cedo, apesar dos argumentos da propaganda palaciana encomendada ao contratado Arnaldo Jabor, capaz de esconder o jogo explícito da publicidade oficial que o admirado ator Raul Cortez, por exemplo, assumiu abertamente. O tempo dirá.

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