São Paulo, quinta-feira, 22 de maio de 1997
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De Mandelas e amazoninos

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Soweto é um grande subúrbio negro de Johannesburgo, capital econômica sul-africana. Tornou-se símbolo da luta contra o apartheid, o regime de segregação racial.
Para mim, simboliza mais: é a evidência de que o apartheid social brasileiro consegue ser pior do que o apartheid racial sul-africano.
Na minha primeira ida a Soweto, nas eleições de 94, uma equipe da TV portuguesa parou numa esquina, junto a uma grande caçamba de lixo, à espera de que algum negro aparecesse para catar lixo.
Seria uma imagem reveladora, para olhos portugueses, das misérias geradas pelo apartheid. Para olhos brasileiros, nada revelava; ainda mais que, naquela mesma época, a TV mostrara miseráveis de Pernambuco fuçando o lixo dos lixos (dejetos hospitalares) em busca de comida.
Soweto voltou à memória ao ver as cenas do conflito que causou a morte de três sem-teto em São Mateus, na Zona Leste paulistana. As mesmas ruas de terra batida, as mesmas construções ditas populares (eufemismo pudico para mal-ajambradas), o sangue misturando-se à terra.
Teremos de novo direito a 15 minutos, 15 horas ou 15 dias de indignação, cada qual com seus motivos. Ou contra as invasões ou, no mínimo, contra a resistência a uma ordem judicial. Ou pelo fato de a PM confundir, de novo, cumprimento do dever com fuzilamento sumário.
Passada a onda de indignação, o apartheid continuará do mesmo tamanho. Até porque o sul-africano ainda foi capaz de gerar, nas suas entranhas, dois estadistas, um de cada lado da odiosa cerca da segregação (o branco F. W. de Klerk e o negro Nelson Mandela).
Juntos, puseram fim ao apartheid.
No Brasil, o apartheid só produz ronivons e amazoninos.
P.S. - Errei anteontem na grafia do nome do deputado João Maia (ex-PFL-AC).

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