São Paulo, quinta-feira, 22 de maio de 1997
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Fernandismo em transe

OTAVIO FRIAS FILHO

"Impeachment nele!", chegaram a sugerir, ignorando que qualquer semelhança entre os dois fernandos, exceto a direção geral de suas políticas, é mera coincidência até prova em contrário. E que, sem embargo da enorme distância que separa as duas pessoas físicas, distância igual separa as respectivas bases de apoio.
Collor foi aceito pelo sistema, durante a campanha que o levou ao Planalto, conforme se mostrava um campeão de votos e um rapaz ideologicamente bacana. Mas seu modo de governo -dito cesarista- mantinha as classes em estado de terror, enquanto ele dobrava apostas a cada lance, governando sem a sociedade, depois contra ela.
É quase inverso o procedimento da candidatura FHC, concebida nos recônditos daquilo que Collor chamava "as elites", respaldada pela opinião bem-pensante e por todas as forças organizadas do país, exceto a franja radical. Apesar de todo o pedigree progressista, ninguém está tão confortavelmente instalado na cadeira como FHC.
Favorecido pelo vento internacional que sopra a seu favor e pelo lastro da estabilidade, é enorme a tolerância do governo às intempéries. FHC teve de fazer alianças torpes para chegar lá e implantar seu programa iluminista. OK. Depois, uma causa pessoal se mesclou ao objetivo maior, o presidente precisava de mais tempo.
Tudo bem. Mas agora o que nos pedem é que esqueçamos depoimentos, evidências e circunstâncias que apontam para o Palácio do Planalto como suspeito de patrocinar, em proveito próprio, uma fraude escandalosa na Constituição. Não se governa de outra maneira, alguém dirá. Boa oportunidade para mudar, então.
Viciado em sua origem endógena às "elites", o governo paga um preço que nem merece: teria ganho um plebiscito isento, pois proposto pela oposição; admitindo a CPI, reconquistava a legitimidade comprometida. Sempre haverá alguém para dizer que a reeleição foi comprada, será sempre inconvincente a refutação.
O principal argumento de apoio ao governo é econômico, estamos montando uma farsa para preservar a estabilidade. Até o câmbio periclitante é uma base mais consistente do que essa. O negócio é tranquilizar o mercado financeiro, dizem. Vamos adotar de uma vez, então, o figurino das ditaduras do leste asiático.
Falando em mercado, uma dica: é quase impossível que qualquer governo venha a reverter a tendência das duas gestões fernandistas. Elas correspondem a uma força da natureza expressa numa só fórmula, que até os esquimós estão aplicando em seus iglus. Por aderir a essa fórmula, o premiê britânico é chamado de "Tory" Blair.
*
Um minuto de silêncio para o cabo Aladarque Cândido dos Santos, 28, morto numa emboscada em Angola. Tinha duas filhas pequenas, era negro e queria ser sargento. Enfermeiro, apresentou-se como voluntário para a missão de paz. Não tinha nada a ver com o pato e morreu em terra estranha envergando o uniforme brasileiro.

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