São Paulo, sexta-feira, 23 de maio de 1997
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Um 'rito iniciatório'

MÔNICA GORGULHO

O que me leva a retomar o assunto da preocupação com o uso de drogas pela população jovem mundial é uma nova abordagem na discussão da gênese do fenômeno, capaz de contribuir para uma visão global mais eficaz.
Existem duas facções entre os técnicos que lidam com dependentes de drogas: aqueles que vêem no uso de drogas uma patologia em si mesma, e aqueles que, como eu, o percebem como uma tentativa de comunicar uma dificuldade anterior à própria droga. Pensando nos adolescentes, não podemos nos esquecer de que essa fase representa um momento de renascimento do indivíduo.
Ao primeiro parto, o biológico, coloca-se agora a necessidade de um segundo, o social, onde o adolescente, abandonando os padrões vinculares antigos, deve buscar novos significados que o transformem em um indivíduo. Esse desenvolvimento, em condições apropriadas, se daria de forma natural, regido pela inexorabilidade da substituição de uma geração por outra, associada à força hormonal, responsável pela impulsividade juvenil.
A busca de limites e a tentativa de superá-los são tão necessárias na adolescência quanto a aquisição da marcha na criança pequena. Da mesma forma que pais amorosos preparam o terreno para que os filhos executem esse treino com menor risco, assim também o grupo social deveria oferecer condições para que os adolescentes façam essa passagem.
Sociedades "primitivas" (?), conscientes das necessidades dos jovens e da importância de uma geração bem formada, preparam essas condições por meio de "ritos de iniciação".
Por meio dos ritos, morre a criança e nasce o adulto. A incapacidade social de promover condições que ajudem na resolução dessa etapa impele o adolescente a buscar soluções próprias -que, geralmente, são equivocadas.
O abuso de drogas vem começando, timidamente, a ser abordado por mais essa perspectiva.
Não podemos nos furtar de, no mínimo, considerar a explosão toxicomaníaca como um sinal de desequilíbrio da sociedade, cujo paradigma econômico é evidente.
Buscar argumentos morais para um negócio de US$ 800 bilhões/ano parece um paradoxo para os valores atuais. Nossas sociedades, adoecidas pela perda de significados humanísticos, criam e mantêm o que é considerado, injustamente, uma doença individual.
Não se trata de fazer apologia ao uso de drogas, mas de reconhecer que, diante de tal situação, só soluções extremas parecem salvar o adolescente do sentimento de abandono comum ao dependente.

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