São Paulo, sexta-feira, 23 de maio de 1997
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Major da PM culpa sem-teto pelas mortes

MARCELO GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL

O subcomandante do 21º Batalhão da PM, major Ademir Vituri, disse que iniciou a operação de reintegração de posse dos prédios na Fazenda da Juta (zona leste de São Paulo) antes mesmo da chegada do único pelotão da tropa de choque que deveria participar da ação.
Ele prestou depoimento ontem à Comissão Permanente de Segurança Pública da Assembléia Legislativa de São Paulo.
Nervoso, o major deu informações conflitantes duas vezes e desmentiu pontos do depoimento do tenente-coronel João Izaias Boscatti, chefe da operação.
Primeiro disse que a operação sempre esteve sob o controle do comando e que estava junto da tropa não tendo visto nenhum PM atirar. Confrontado pelos deputados com as imagens da TV Cultura, o major recuou.
"Eu não estava nessa parte do conjunto de prédios. Esses policiais ficaram isolados." Depois, disse que a PM foi recebida a tiros de metralhadora minutos antes do início da gravação das imagens.
"Ouvi uma rajada", disse. O major disse não ter visto quem atirou. "O barulho vinha do lado dos sem-teto. Então, recuamos."
Boscatti
Ontem, o tenente-coronel João Izaias Boscatti havia dito que não ouvira a rajada porque ela teria ocorrida quando estava sendo agredido pelos sem-tetos.
Boscatti foi agredido no fim do confronto, quando tentava socorrer um dos invasores baleados e não no início da ação, quando teria havido a rajada de metralhadora descrita por Vituri.
O major também disse que viu "volumes na cintura dos sem-teto" e deduziu que eles escondiam armas embaixo das camisas. "Só vi um deles mostrar um revólver. Posso reconhecê-lo", afirmou. O oficial disse ainda que não viu PMs atirando, mas ouviu tiros sendo disparados pelos policiais.
No final, o major afirmou que os sem-teto foram os culpados pelas mortes e que eles enfrentaram a PM com táticas de guerrilha.
"Antes da operação, havia pedido aos meus homens que não agredissem, que tivessem paciência e que, se fosse preciso, apanhassem." Após o depoimento, o major não quis responder perguntas. "Meu depoimento foi claro. Está tudo explicado", disse.
Sem-teto
As acusações do major foram respondidas numa sala ao lado, onde se reuniu a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa. Os sem-teto denunciaram agressões e negaram que tivessem armas de fogo.
"Além de sem-teto e sem-emprego, somos sem-armas", disse Ademar Machado, 40, um dos líderes do Movimento dos Sem Terra pela Moradia do ABC.
Machado assistiu ao depoimento de Nélson da Silva Daniel, 30, um dos líderes dos invasores do conjunto de prédios da Fazenda da Juta. Daniel foi preso pela PM no início da operação. Segundo ele, a prisão foi o estopim do confronto.
"Estava pedindo calma ao pessoal, quando os policiais me prenderam. Fui agredido com borrachada e socos." Ele afirmou também que não havia armas de fogo entre os sem-teto.
"Se eu tivesse um revólver calibre 38 ia disparar todas as balas em vez de deixar três intactas (A PM diz ter apreendido um revólver com três balas disparadas em um dos apartamentos invadidos)."
Além de Daniel, dois jornalistas e dois outros líderes dos sem-teto prestaram depoimento à comissão.

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