São Paulo, sexta-feira, 23 de maio de 1997
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República islâmica faz cinema original

JEAN-PIERRE PERRIN
DO "LIBÉRATION"

Hormuz Kei, escritor do Irã residente em Paris, é um especialista em cinema iraniano. Ele explica como a república islâmica, onde a censura é geral, permitiu a eclosão de um cinema original.
(JPP)
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Pergunta - No Islã, a imagem é um tabu?
Hormuz Kei - Primeiro, essa proibição religiosa sobre as imagens foi suspensa provavelmente por Khomeini. Isso levou as mulheres, que não tinham o costume de ir ao cinema, às salas de projeção. Em 79, depois da revolução, houve uma explosão de produções, que encontraram de imediato problemas com a censura. Até 86, não havia uma política clara para o cinema. É só depois que o regime vai atuar em seu favor. Nesse mesmo ano, Makhmalbaf, que até então havia feito filmes com temas claramente islâmicos, começa a fazer filmes com outra temática.
Pergunta - Esse cinema é bem diferente daquele dos primeiros anos da revolução...
Kei - Depois da revolução, o cinema viveu um momento de loucura. Mas encontrou uma nova linha, apesar das proibições. Uma linha que coincide com a despolitização da sociedade iraniana.
Pergunta - Antes da revolução, os filmes iranianos não eram todos políticos?
Kei - Havia três cinemas no Irã. O cinema político, com Kimia‹ e Beza‹. O cinema de arte e de ensaio, com Farokh Ghaffary e Ibrahim Golestam, que era mal acolhido pela sociedade. E por fim, havia um cinema comercial com, por exemplo, Ismaël Kouchan. Todos com uma visão enviesada da sociedade. Às vésperas da revolução, podíamos declarar a morte do cinema, tamanha era a invasão de filmes comerciais e estrangeiros.
Pergunta - Diferente do cinema atual, que é nacional e que identificamos de imediato, não?
Kei - Nos tempos do xá, era raro encontrar um filme que apresentasse a realidade social tão bem como hoje. Agora isso é possível porque o cinema está despolitizado. Se encena belas histórias, é para afastar a sociedade das violências que conheceu nos últimos 20 anos. Por isso encontramos tantas crianças nos filmes.
Pergunta - Essa é a única razão para isso?
Kei - A sociedade iraniana é uma das mais jovens do mundo. As crianças são uma forma de olhar o futuro. O frescor da infância substitui o frescor feminino.
Pergunta - Esse cinema é bem acolhido pelo público?
Kei - Sim. Há verdadeiras filas de espera nos cinemas.
Pergunta - A enorme vitalidade desse cinema também pode ser explicada por uma quase ausência de filmes estrangeiros no Irã?
Kei - É verdade que, se os filmes norte-americanos invadissem as salas de cinema iranianas, seria o fim do cinema nacional. É o que aconteceu na Turquia, onde a produção cinematográfica caiu de 350 para dez filmes, ou no Egito, que dominava o mundo árabe (95 filmes em 1986) e agora não produz mais do que 30 filmes. No entanto, há 30 milhões de videocassetes no Irã e centenas de filmes norte-americanos circulando clandestinamente, o que não impede os iranianos de ir ao cinema.
Pergunta - Na intimidade, os cineastas denunciam a censura. Em uma carta desesperada, o diretor Bahram Beza‹ explica que prefere cortar as mãos a ter de continuar se censurando.
Kei - Na verdade, os decretos de censura são quase os mesmos que vigoravam sob o regime do xá. A diferença é que agora não podemos evocar a religião, nem tampouco ver as mulheres maquiadas e sem "hedjab" (véu islâmico). O regime tentou fazer um cinema islâmico, mas graças à inteligência flexível dos cineastas, ele não se tornou islâmico, mas iraniano.

Tradução Lilian Escorel

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