São Paulo, sábado, 24 de maio de 1997
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Imagem e dano moral

LOURIVAL J. DOS SANTOS

Após longo período de certa apatia legislativa, a Constituição de 88 homenageou o dano moral, destacando-o em dois incisos do artigo 5º. Vizinho nos textos, aparece o direito à imagem, que, assim como o primeiro, antes de 88 frequentou o cenário jurídico mais por esforços doutrinário e jurisprudencial, pois são raríssimas as referências legais.
Pela Constituição, "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".
A imagem, assim como a voz, constituiu fator identificativo do homem dentro do universo social. Desempenha função informativa sobre ele, pela projeção dos caracteres próprios e originais que e o tornam único, representando, segundo Ihering, a "emanação direta do eu de cada qual".
Agrupada com outros direitos personalíssimos, como a privacidade, intimidade e a honra, com eles não se confunde na essência, pois, enquanto os primeiros expressam valores agregados ao indivíduo pela sua participação no mundo jurídico, sujeitos a normas legais e éticas, a imagem pura nasce com o ser, independentemente de regras pré ou pós-estabelecidas.
Porém, quando fixada em "corpus mechanicum", transforma-se em bem disponível e confere ao seu titular a faculdade da fruição comercial pela relação puramente obrigacional entre a pessoa fotografada e aqueles que, mediante autorização, utilizam-se da imagem. É ativo o mercado de obras fotográficas, fonográficas, videofonográficas, cinematográficas.
Por trás do direito conexo do intérprete de uma canção está a voz do cantor, assim como a imagem, ao lado da voz, é suporte ao desempenho do ator em obra cinematográfica. Modelos mercadejam veiculações de suas imagens pelos mais variados veículos.
Todavia a Carta de 88 despertou certo frenesi coletivo e isso refletiu-se nos meios jurídicos.
Abstraindo-se as vantagens defluentes das discussões elevadas sobre quaisquer assuntos de interesse do cidadão, ficam os exageros cometidos em equivocados julgamentos, a demonstrar que parte do Judiciário considera o dano moral consequência obrigatória de qualquer utilização desautorizada da imagem.
Não é o simples uso da imagem fixada que "de per si" exige a presença do dano moral, mas sim a concreta lesão ao universo íntimo do indivíduo, que lhe cause prejuízo extrapatrimonial.
A nudez captada por invasão à privacidade não poderá ser interpretada do mesmo modo que a voluntária; porém mesmo esta, caso o uso seja nocivo à moral da pessoa, resultará em dano reparável.
A utilização, mesmo desautorizada, poderá ser lícita, como é o caso da ilustração de matérias jornalísticas, obras didáticas, científicas ou religiosas.
Acautelem-se os intérpretes, pois, se enlevados pelo falso clima de legislação nova ou por vocação legislativa, poderão cometer injuridicidades injustificáveis.
A responsabilidade civil configura-se a partir de pressupostos indispensáveis, o que afasta a possibilidade de análises desatentas sobre a caracterização e a natureza do dano indenizável, motivo pelo qual não há razão para que se instale no país a indústria das indenizações, motivada por julgamentos subjetivos, que Carlos Maximiliano batizou de "jurisprudência sentimental".

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