São Paulo, terça-feira, 27 de maio de 1997
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Pachorrenta condescendência

ANDRÉ LARA RESENDE

O governo anda pressionado. A privatização da Vale, que deveria ter sido percebida como uma vitória expressiva, deu margem a uma exploração barulhenta por parte da oposição. O MST e as invasões, mal administrados, tomaram um espaço inconcebível.
Os protestos agressivos, tratados com condescendência, se multiplicaram sem nenhuma proporção entre eles e a avaliação positiva do governo. As denúncias de compras de votos levaram à maior queda na popularidade do presidente. Mero inferno astral?
Todos sabem, a começar pelo próprio governo, que seu apoio está baseado na estabilidade da moeda. A vitória contra a inflação elegeu o presidente e continua sendo seu principal trunfo. Se o andar da carruagem econômica é importante para qualquer governo em toda parte, no caso deste governo, é vital.
Na semana passada, no Rio, deu-se mais uma edição do Fórum Nacional, coordenado por Reis Velloso. Não pude, infelizmente, comparecer. Um amigo, competente jornalista econômico, que não tem posição preconcebida contra o governo, mas, pelo contrário, acredita que a agenda está essencialmente correta, lá esteve por dever de ofício. Encontrei-o em seguida. Disse-me que perdeu a paciência para o discurso econômico do governo.
Dois terços do tempo, diz ele, são tomados para esculhambar os críticos. Em seguida, uma garantia enfática de que, apesar das evidências, no final tudo dará certo. Diante de pedidos para que se elabore sobre as razões de tal convicção, apenas uma nova profissão de fé. As objeções mais moderadas servem apenas para reacender a ira contra os ímpios.
Exagero? Talvez, mas não há como negar um fundo de verdade. Este governo tem plena consciência de sua agenda. É extraordinariamente articulado ao expor seus objetivos e ao listar os pontos em que os resultados ficaram aquém do desejado.
Aqui está, parece-me, o ponto fundamental para a compreensão de um certo mal-estar, uma certa irritação que provoca até mesmo entre os que o apóiam: há um hiato excessivo entre o discurso e a prática, entre a articuladíssima consciência do que deve ser feito e a pachorrenta condescendência com a frustrante distância entre as expectativas criadas e os resultados obtidos.
Não precisamos ser reassegurados das grandes melhoras obtidas com o fim da inflação. Há menos brasileiros abaixo da linha da pobreza, o investimento foi retomado, o sistema financeiro saneado, a privatização avança, a economia cresce e o desemprego está contido. Até os mais empedernidos opositores reconhecem os avanços. Mas não basta.
O déficit do setor público continua perigosamente alto, o preço do saneamento financeiro foi elevadíssimo e a dívida cresceu de forma assustadora. O déficit de conta corrente do balanço de pagamentos não dá sinais de se estabilizar. As reformas, fundamentais para a recuperação das poupanças pública e privada, estão empacadas. O Estado continua ineficiente, caro e desarticulado. O investimento é baixo, e o crescimento, inferior ao necessário para superarmos a pobreza.
As dificuldades são enormes, não é preciso reafirmá-lo, mas melhor enfrentá-las logo, sob risco de virem a se tornar insuperáveis. Os governos também envelhecem e perdem o ânimo. Fé não basta; é preciso agir com determinação.

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