São Paulo, quinta-feira, 29 de maio de 1997
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Castelo de areia

Castelo de areia
MOACYR SCLIAR
Tudo começou com o primeiro

MOACYR SCLIAR

Tudo começou com o primeiro castelo de areia. Era pequeno, duas torres, uma muralha. E uma coisa muito imperfeita. Mas quando ele terminou, ficou de tal forma extasiado com a própria obra, que decidiu: daí por diante, dedicar-se-ia, com todas as suas energias, à construção de castelos na praia.
Em pouco tempo tinha progredido na milenar arte. As pessoas passavam e se maravilhavam: como é habilidoso esse menino, olhem só as construções que ele faz com areia. De fato, os castelos tornavam-se cada vez mais sofisticados: não apenas as torres multiplicavam-se em número e cresciam em altura, não apenas as muralhas tinham melhor acabamento, como detalhes eram acrescentados a cada dia: seteiras, portões, fossos. Mais numerosos eram também os admiradores. Havia um casal idoso que vinha todos os dias para vê-lo trabalhar. Um dia o homem disse à mulher uma frase que mudou o destino do jovem construtor:
- A gente podia morar num castelo desses.
Um castelo para morar. Por que não? Casa ele não tinha, de qualquer maneira. Desde que se conhecia por gente vivia na rua, dormindo sob marquises. Um castelo seria não apenas a realização de uma fantasia artística, seria também o seu teto. O seu lar.
Imediatamente pôs mãos à obra. Trabalhava dia e noite sem parar, trazendo areia, erigindo os muros. O projeto chamou a atenção e agora as pessoas acorriam às centenas. Porém o aplauso delas já não tinha tanta importância. Ele estava agora às voltas com o próprio sonho. Já não se tratava de mostrar aos outros uma habilidade, tratava-se de conseguir a sua casa. Que o aplaudissem ou não, pouco importava.
Há alguns dias ele terminou o castelo. Castelo, naturalmente é termo um pouco exagerado: a construção em areia tem uns 30 metros quadrados, se tanto.
Mas a aparência é de castelo e, mais importante, ele pode entrar lá dentro. Já não dorme ao ar livre. Tem a sua casa.
Há uma coisa que o inquieta, contudo. Não é o temor de ser expulso, porque afinal a praia é de todos, ele não invadiu nada. Não é também o temor a assaltantes, porque nada há em seu castelo para roubar.
O que o preocupa é a chuva, uma chuvarada capaz de carregar a areia de que é feita a construção.
Quem mora em castelos no ar teme a dura realidade. Quem mora em castelos de areia teme a dura realidade. Mas teme muito mais a chuvarada.

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