São Paulo, quinta-feira, 29 de maio de 1997
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Qualidade em saúde

MARCOS BOSI FERRAZ

Nos últimos anos o sistema de saúde tem sido submetido a inúmeras e radicais transformações em todo o mundo, em particular nos países mais desenvolvidos. No Brasil, já estão ocorrendo alguns reflexos dessas transformações. Termos como "managed care", "transferência de riscos", "eficiência e qualidade em saúde" começam a ser discutidos.
Nesta fase de rápidas mudanças, vale a pena repensar o conceito de qualidade em saúde.
Até há poucos anos, em alguns países desenvolvidos, ou ainda hoje, na maioria das instituições públicas e privadas no Brasil, o conceito de qualidade em saúde admitia que um sistema com qualidade era aquele que oferecesse aos pacientes tudo o que fosse disponível em termos de recursos.
Qualquer intervenção -preventiva, diagnóstica, terapêutica ou de reabilitação- cientificamente válida e com algum ganho para a saúde do paciente, mesmo que ínfimo, deveria ser realizada independentemente do seu custo. A capacidade e a possibilidade de fazer o máximo para um único paciente significava qualidade em saúde.
Sofisticados recursos tecnológicos e profissionais altamente qualificados para desenvolver suas funções e utilizar esses recursos eram considerados de excelência.
Hoje há um novo paradigma. Esses centros de excelência em termos de recursos humanos e materiais não mais necessariamente significam qualidade em saúde.
Hoje, devido ao reconhecimento de que os recursos são escassos (principalmente por parte de quem paga por esses serviços, ou seja, a própria sociedade, no caso do setor público, ou as seguradoras e planos de saúde, no caso do setor privado), qualidade em saúde deve ser entendida levando-se em consideração alguns princípios da área "economia da saúde".
O novo conceito de qualidade em saúde requer o reconhecimento por parte do próprio prestador do serviço de que o bem produzido (ou seja, a saúde) vale o custo para produzi-lo e que, entre todas as alternativas disponíveis, aquela a ser escolhida é a que apresenta a melhor relação custo-benefício.
Os ganhos marginais de saúde, que usualmente demandam elevados recursos, não devem mais, de modo geral, ser priorizados.
O verdadeiro desafio está em oferecer e propiciar o máximo possível de ganho em saúde, utilizando o mínimo de recursos possível (seja para a sociedade como um todo, no caso do serviço público, ou para os beneficiários da assistência privada).
Assim, os serviços com sofisticadas inovações tecnológicas têm que compreender que o uso apropriado e consciente desses recursos é que determinará a sua excelência em qualidade, baseando-se sempre em evidências científicas válidas e na direta relação custo-benefício.
O conceito e aplicação do custo da oportunidade no uso dos recursos deve também sempre ser considerado.
Fazer o procedimento ou a intervenção certa na hora certa significa qualidade. Isso é responsabilidade não só do prestador do serviço que solicita o procedimento (médico, por exemplo), gerador, portanto, da demanda do mesmo, mas também de quem atende à demanda desse serviço ou procedimento (hospitais, centros diagnósticos, clínicas especializadas e o próprio médico).
A classe de profissionais da saúde, embora de certa forma atenta à rápida evolução do sistema de saúde, de modo geral não a compreende de forma harmoniosa. A velocidade da mudança e a alienação consciente são os principais fatores que dificultam a maior compreensão.
A sociedade, mais do que nunca, também deve participar ativamente desse processo de mudança, definindo suas prioridades.
Somente com o repensar do conceito de qualidade em saúde é que conseguiremos viabilizar um sistema capaz de oferecer cobertura mais ampla, ainda sempre restrita, mas que favoreça a maximização da utilização dos escassos recursos da saúde.

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